quinta-feira, 29 de novembro de 2012

A novela de uma greve (II)

Na semanada passada, quando escrevi um artigo intitulado “novela de uma greve”, não adivinhava que se seguiria um episódio tão novelesco como o anterior. Desta vez, apenas a PSP, tristemente, se manteve no cenário, uma vez que os manifestantes saíram de cena para dar lugar aos Ministros Miguel Macedo e Miguel Relvas e à RTP.

Em causa está o acesso que a PSP teve às imagens não editadas da RTP relativas à manifestação de 14 de Novembro. Este acontecimento originou um pedido de esclarecimento da comissão de trabalhadores da RTP ao Ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, e a demissão do director de informação da estação pública, Nuno Santos, que fez questão de sublinhar, desde a primeira hora, que não facultou imagens não editadas (ou em bruto) à PSP.

No pedido de esclarecimento dos trabalhadores da RTP, interroga-se quem terá pedido para aceder às imagens em causa, a quem foi dirigido esse pedido, quantos elementos da PSP visualizaram essas imagens, quantos DVDs foram entregues à polícia, entre outras questões relevantes. A comissão de trabalhadores da estação pública manifestou, ainda, o receio de ser “amordaçada” numa altura em que o governo se prepara para criar nova legislação sobre a comunicação social.

A eventual divulgação, através da direcção de informação da RTP, das imagens em bruto da manifestação constitui uma violação do Estatuto do Jornalista. Segundo este diploma legal, os directores de Informação, os administradores, ou qualquer pessoa que integre os Média, não podem, excepto se tiverem o aval do jornalista envolvido, divulgar as suas fontes de informação, qualquer que seja o seu formato. Desta forma, a única maneira que a PSP tem para poder aceder a estas fontes de informação é através de um mandato judicial.

No entanto, Miguel Macedo afirmou que “todas as entidades têm o dever de colaborar, nos termos da lei, com as autoridades de investigação criminal, tendo em vista a descoberta da verdade". Por esta razão, o Ministro da Administração Interna considera existirem dúvidas relativas à legitimidade do acesso às imagens por parte da PSP, uma vez que esta assume poderes de investigação criminal. Assim, o Ministro irá pedir um parecer ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República.
Note-se que, de acordo com o Código de Processo Penal, o acesso e apreensão das provas levadas a cabo por órgãos de polícia criminal requerem uma autorização por despacho da autoridade judiciária. A excepção, como já referi, é se os próprios jornalistas consentirem o acesso a essas possíveis provas.

Esta novela ainda não chegou ao fim. Existem vários aspectos que não conhecemos e a obscuridade de que este caso se reveste não dá confiança alguma ao trabalho da polícia e do governo. Uma vez que não houve mandato judicial para o acesso às imagens não editadas, nem autorização dos jornalistas que as produziram, precisamos de saber o seguinte: quem fez o pedido para que estas imagens fossem entregues à polícia; que polícia é esta que serve para defender a lei e não a cumpre; qual a razão para a administração da RTP colocar em causa a Direcção de Informação, abrindo ao conhecimento público as guerras internas desta empresa; e, finalmente, quais são as responsabilidades, neste caso, dos Ministros Miguel Macedo e Miguel Relvas.

E, já agora, faço mais uma pergunta: porque é que tudo o que diz respeito a suspeitas, fraudes e corrupção envolve o Ministro Relvas?

Publicado no jornal online ptjornal, em 29/11/2012

Sem comentários: