domingo, 4 de novembro de 2012

O “bom” exemplo da Letónia

A Letónia, um dos três países bálticos, com uma população de dois milhões de habitantes e uma economia cujo principal produto de exportação é a madeira, é hoje um bom reflexo das medidas protagonizadas pelo FMI.

Após o rebentamento da bolha imobiliária em 2008, seguiu-se uma crise de financiamento da dívida, tal como aconteceu com muitos outros países ocidentais. O que veio depois é previsivel: um “acordo”, mascarado sob a palavra resgate, com o FMI.

Foi assim que, em troca de um montante de 7,5 mil milhões de euros, o FMI impôs um conjunto de medidas draconianas, apelidando-as de ajustamento orçamental – como se constata, a cantiga é a mesma. Ora, este ajustamento previa cortar 17% do valor da economia letã, em apenas dois anos. Resultado? A Letónia exprimentou a pior recessão económica que a Europa já viu, apenas comparável ao que aconteceu aos EUA nos anos da Grande Depressão. Vejamos: o PIB caiu 23% em dois anos; os salários baixaram entre 25% e 30%; o desemprego aumentou de 5% para 20%, ou seja, quadriplicou; o subsídio de desemprego foi reduzido; os impostos aumentaram; a criminalidade disparou; e, finalmente, quatro em cada dez familias ficaram numa situção real de pobreza. Enfim, um massacre a céu aberto.

Preve-se, para o presente ano, que a Letónia tenha um crescimento de 6%, o que serviu para que a directora do FMI, Christine Lagarde, afirmasse que a Letónia serveria como modelo europeu, significando que a Grécia, a Irlanda, Portugal e Espanha, teriam a mesma terapia de choque. Contudo, as razões para este crescimento prendem-se com o facto de o mesmo advir de um contexto de empobrecimento – note-se que não é por acaso que os países que apresentam taxas de crescimento mais altas são países em vias de desenvolvimento.

A Letónia viu partir 10% da sua população, um terço da sua juventude emigrar para criar riqueza num qualquer outro país, proliferarem habitações nos subúrbios de Riga com condições de higiene e segurança inexistentes. Ainda assim, foi dada como um caso de sucesso.

Seria interessante colocar aqueles senhores e senhoras arautos da austeridade, nem que fosse por uma semana, naquelas habitações, ou melhor, barracas de madeira, onde quem lá vive cultiva pequenos terrenos e pesca no rio Daugava em busca da sobrevivência. Ali, onde não há electrecidade, onde as temperaturas podem chegar aos 20 graus e onde outrora se guardavam as ferramentas agrícolas, dormem milhares de pessoas. É ali que esses senhores e senhoras deveriam dormir.

Publicado no jornal online "ptjornal", em 28/10/2012

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