quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Estupidez ou demagogia?

Pastores e carneiros do pensamento único transportam no bolso uma pequena cassete a que recorrem para depois dissertarem as teorias do tio patinhas.
Nessa cassete não cabem mais de uma dúzia de frases pré-fabricadas, das quais destaco: andámos anos e anos em festa, chegou a altura de pagar a conta; vivemos acima das nossas possibilidades e temos todos de pagar por isso; todos temos que fazer sacrifícios para que o país possa prosperar.
Assim, ricos e pobres, afortunados e azarados, vencedores e perdedores, bandidos e vítimas estiveram anos a fio ora num banquete suculento temperado com pipas e pipas de tintol, ora na pista de dança em perpétuos movimentos de lazer, preguiça e prazer.
Com certeza que, por exemplo, professores da escola pública que ganham miseravelmente para a importância inerente à sua função, estiveram na mesma festa que, por exemplo, Jorge Coelho. Com certeza que, por exemplo, enfermeiros que ganham miseravelmente para a importância inerente à sua função, estiveram na mesma festa que, por exemplo, Oliveira e Costa. Com certeza que, por exemplo, os pequenos empresários estiveram na mesma festa que, por exemplo, os grandes empresários. Perante os prejuízos, somos todos iguais!
Dizem os seguidores do pensamento único que por termos gasto mais do que produzimos temos todos que pagar a dívida… mas como foi contraída essa divida? Não seria perfeitamente natural realizar uma auditoria a essa dívida para perceber as suas origens e composição? Não, se quisermos institucionalizar a corrupção.
Ainda assim sabemos algumas coisas. Sabemos que, relativamente às famílias portuguesas, apenas 40% destas estão endividadas. Sabemos também que desses 40%, 30% correspondem ao crédito à habitação, tipicamente considerado de baixo risco uma vez que o banco tem sempre a garantia do imóvel. E sabemos ainda, através da matemática mais elementar, que apenas 10% dos portugueses estão endividados devido ao crédito ao consumo.
É este o retrato de um povo que se endivida desmesuradamente.
Por fim, uma pequena reflexão sobre o crédito mal parado. É verdade que muita gente se endividou irresponsavelmente. Mas não é menos verdade que os bancos comerciais efectivaram campanhas publicitárias altamente agressivas de estímulo ao crédito, assentes em todas as plataformas possíveis: televisão, rádio, placards publicitários, panfletos… na verdade, só os ermitas se livraram deste apelo continuo à veia consumista.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Rótulos a precisar de óculos

Já pegou. A “esquerda radical”, esse conceito que transmite uma sensação de alerta perante possíveis incursões de malucos na governação do país, passou a ser o rótulo do BE e do PCP. Digamos que, tendo em conta a origem da palavra “radical” (raiz), existe um conjunto de valores e princípios cujo reconhecimento deve ser radical. Assim, podemos afirmar que devemos ser radicais na defesa de uma educação acessível a todos, ou seja, da promoção e melhoramento da escola pública, da saúde acessível a todos, ou seja, de um serviço nacional de saúde forte e competente, da protecção dos mais desfavorecidos, ou seja, de uma segurança social com meios suficientes para alcançar os seus desígnios, entre outros factores que merecem especial destaque, como a justiça.
O problema está, em grande parte devido à dinâmica da comunicação social, na consideração generalista a que o BE e o PCP foram sujeitos. Muito em voga, o conceito de “fundamentalismo” rapidamente é associado aos fundamentalismos religiosos, do qual o islamismo não é o único exemplo. Obviamente, todos repudiamos qualquer tipo de fundamentalismo. Pena é que se crie a ideia de que os partidos “radicais” estão para a política como o “fundamentalismo” está para a religião. Noto esta semelhança de tratamento, embora de forma subtil (também era o que faltava), na abordagem desenvolvida pelos mídia aos partidos à esquerda do PS. Nunca é demais denunciar os perigos que advêm de considerações generalistas infundadas.
Se falam em radicalismo ideológico, vejamos algumas posições da direita parlamentar, parte delas inspiradas na filosofia “neoliberal” que se provou não resultar. Começo por frisar o conjunto de privatizações que a direita quer fazer, sem nunca explicitarem com clareza quais são as privatizações a realizar. Para eles, o que conta é privatizar, como se isso significasse obrigatoriamente descentralizar.
Realce-se a existência de dois factos que devem merecer muita atenção. Primeiro, um "monopólio privado" é muito mais nefasto para a economia do que um "monopólio estatal", segundo, determinados sectores da economia representam monopólios naturais, concluindo-se desta forma que privatizar é uma medida que exige uma avaliação criteriosa do mercado, livre das influências de grupos de pressão organizados. Qualquer mercado que assente numa força essencialmente centrífuga e, por consequência, "pró monopolistica", deve estar a cargo do poder público. Porém, o mais grave está, perante o endividamento do Estado e os escassos recursos que detém, na vontade de dois partidos com responsabilidade parlamentar em privatizar empresas públicas que apresentam contas positivas. É uma constatação que me causa confusão e preocupação. Mas, afinal, os radicais somos nós.
Depois vem a posição antagónica ao programa “novas oportunidades”. Realmente, são muitas as críticas que se podem fazer ao governo Sócrates mas esta crítica do PSD está desprovida de bom senso. Como é sabido, este programa pretende certificar cidadãos que precisam de obter as qualificações necessárias para desempenharem a sua vida activa. É consensual que este programa está imbuído de um facilitismo indesejável, porém, deve-se compreender que a sua finalidade é de extrema importância para o progresso do país, exigindo-se melhorá-lo e não destruí-lo. Pode ter sido aproveitado por uns para disfarçar a sua conduta cívica irresponsável mas foi aproveitado por muitos mais para, realmente, obterem melhores qualificações. Por esta razão, as palavras de Passos Coelho, ao acusar o programa de ser um "atestado à ignorância", foram de uma grande infelicidade. Basta pensar no que terão sentido as pessoas que corresponderam positivamente aos desígnios deste programa, muitas vezes tendo que o conciliar com uma vida familiar e profissional já de si difíceis de o fazer.
Outra posição do PSD, embora não tenha tido ainda a coragem de a oficializar, consubstancia-se no aumento do IVA. Aumentar um imposto indirecto, um imposto cego que a todos afecta da mesma forma. Para além dos problemas económicos que essa medida acarreta actualmente, dos quais se destaca o constrangimento ao consumo, o preocupante agravamento da vida dos mais pobres exige o máximo de atenção à sua condição. Estes não podem suportar mais obstáculos à sua capacidade de consumo, mesmo que a taxa do IVA para o cabaz dos “bens essenciais” se mantenha intacta. Como se compreende, para além dos “bens essenciais” que nos permitem sobreviver, existem outros tipos de bens que, em detrimento da actividade e dinâmica de cada agregado familiar, assumem essa condição isoladamente.
Por fim, embora existam muitas outras posições com as quais discordo totalmente, destaco uma “não posição” do PSD que me transtorna bastante. Essa não posição está perante Alberto João Jardim. Existe uma série de incoerências entre o que o PSD defende e a governação jardinista mas há uma que de tão evidente descredibiliza fortemente os discursos anti-despesistas dos sociais-democratas. Refiro-me ao Jornal da Madeira, o qual é distribuído gratuitamente no arquipélago e pago por todos os contribuintes portugueses. Ora, apesar do que disse Passos Coelho no debate que o opôs a Francisco Louçã, onde argumentava que o custo do Jornal era insignificante face a outros desperdícios praticados com dinheiro público, é uma simples questão de coerência acabar, definitivamente, com o modelo de gestão deste jornal. Acrescenta-se, a este propósito, o desrespeito pelas regras da concorrência que o “Jornal do Regime” promove, ignorando o direito comunitário nessa matéria. E isto num partido que defende de forma acérrima o mercado, a concorrência… as privatizações.
Mas, apesar de tudo, são o PCP e o BE a merecerem o rótulo de radicais, o qual é altamente impulsionado por uma comunicação social cada vez menos imparcial. Os grandes órgãos de comunicação social nunca foram, pela natureza do seu funcionamento, totalmente imparciais, contudo, numa época onde as limitações do liberalismo económico ficaram à vista de todos, é triste constatar que os seus comentadores habituais continuam a dizer o habitual, como se não tivessem percebido as razões que originaram a crise actual, a maior desde 1929. Como se costuma dizer, o mais cego é aquele que não quer ver.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

A notícia da morte de Osama divulgada por Obama


Morreu Osama Bin Laden ou, pelo menos, foi anunciada publicamente a sua morte. Ninguém, nem mesmo os fiéis defensores da política americana, deixou de se interrogar sobre a veracidade desta notícia. Sabe-se pouco, como sempre acontece nas questões de cúpula.
As informações oficiais dizem-nos que uma equipa do exército americano assassinou o líder da al-Qaeda na cidade de Abbottabad, capital de distrito, situada a 120 Km da capital paquistanesa, Islamabad. Ao que parece, a operação foi levada a cabo apenas por americanos. A explicação para a ausência de intervenção das forças paquistanesas encontra-se essencialmente nas presumíveis relações que a organização terrorista terá com os serviços secretos paquistaneses. Olhando para o contributo do exército afegão, cujos soldados se charram calmamente durante as exigentes operações militares, os aliados locais dos americanos parecem, sem desconsiderações, atrapalhar mais do que ajudam.
Após o “diabo na terra” ter sido morto, lançaram o seu corpo ao mar sob a justificação de não se criar um local de culto para fundamentalistas islâmicos. Possivelmente, atiraram-no enrolado em correntes para que nenhum banhista corra o perigo de se cruzar com ele. Não se brinca com o diabo…
Quanto à algemada fotografia… não foi publicada para não gerar reacções violentas. Até na morte a história de Bin Laden se pauta pelo mistério.
Por fim, veja-se o que se sucedeu após a morte de Bin Laden. Ao anúncio do presidente norte americano Barack Obama seguiram-se reacções festivas de tipo mediavalesco, onde provavelmente milhares de cristãos, contrariando o legado de Cristo, festejaram a morte de um homem. Dirão eles, talvez, que não se tratava de um homem.
Concluindo, para fazer prevalecer a minha consciência neste texto, quero admitir o seguinte: caso alguém pertencente ao meu círculo afectivo morresse no atentado do dia 11 de Setembro de 2001, provavelmente participaria na salva de palmas ao assassinato de Osama Bin Laden.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Guerra a Kadhafi ou Guerra pelo petróleo?

Mais uma intervenção da NATO, agora na Líbia. As razões para intervir ao lado dos rebeldes contra o ditador sanguinário parecem perfeitamente compreensíveis. Afinal, como se poderá criticar uma intervenção que visa pôr termo a uma ditadura que não olha a meios para se manter no poder? Como se poderá criticar o apoio dado aos líbios que se insurgem contra o seu opressor? Certamente, todos torcemos pelo fim deste tipo de regimes.
A questão verdadeiramente critica desta intervenção reside nas suas motivações. Motivações que não se coadunam com aquelas pelas quais estaríamos dispostos a apoiar a 100% uma intervenção deste tipo. A razão desta afirmação está no resultado de um exercício intelectual de grande simplicidade. Se este tipo de intervenções militares se justificam para impedir o sofrimento de populações às mãos dos tiranos que as subjugam, não seria lógico começar por derrubar os regimes mais repressivos? Se o objectivo é evitar o sofrimento profundo de populações espezinhadas por um poder politico carniceiro, não seria lógico intervir contra os maiores carniceiros? Não seria lógico começar por se intervir nos países onde se alastra um sofrimento mais pesado e desesperado? Era o regime de Saddam Hussein o mais opressor dos regimes aquando da intervenção? É o regime do Coronel Kadhafi o mais opressor dos regimes da actualidade? Está claro que não... Omar al-Bashir (Sudão), Than Shwe (Mianmar) e o rei Abdullah (Arábia Saudita) conseguem no que se refere ao desrespeito pelos direitos humanos, superar qualquer um dos dois.
O facto de na Líbia existir uma reacção interna que se opõe militarmente é um sinal da fraqueza de Kadhafi. Apoiar essa reacção pode ser visto como uma oportunidade, mas ignorar o sofrimento de povos controlados por um aparelho politico-militar tão poderoso e sufocante que impede a formação de qualquer insurreição é cobardia. Para além disto, ninguém sabe quem poderá substituir o Coronel, nem as propostas de governação defendidas pelos rebeldes. Ora, a História está repleta de exemplos de regimes opressores substituídos por regimes ainda mais opressores, mostrando que é imprudente apoiar movimentos armados que não se conhecem bem. Aliás, face aos graves erros que cometeram neste capítulo, é incompreensível que os EUA não adoptem uma posição mais prudente.
Mas pior do que a cobardia é a hipocrisia. E a hipocrisia está na constatação de que tanto o Iraque como a Líbia repousam sobre uma manto de crude. Só espero que o povo líbio não tenha o mesmo destino que o povo iraquiano: um regime pseudo-democrático manietado pelos EUA aliado a uma coesão nacional inexistente.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

As eleições presidenciais de 2011

Eis as eleições presidenciais de 2011. Motivo para nos concentrarmos mais nas respectivas candidaturas e, no momento de votar, orgulharmo-nos do nosso acto de cidadania.
Contudo,a abstenção terá, segundo o que todas as sondagens transmitem, um peso muito relevante, talvez muitíssimo relevante. A primeira questão a colocar é, porquê?
Seria preciso escrever um pequeno "calhamaço" para responder à questão. Porém, existe uma resposta sucinta, vaga e comummente aceite. A abstenção advém da descrença na decisão política. Digo na decisão política e não nos políticos porque entre estes pode haver quem tente devolver a crença às pessoas, apesar de não ter força para interferir solidamente naquela que é a decisão política. A descrença na decisão política é o resultado da corrupção nas esferas do poder e da sobreposição dos interesses pessoais e dos lóbis sobre o interesse colectivo, gerando, por consequência, a perspectiva de que a política mal executada é uma fatalidade.
Kant, um dos maiores pensadores ocidentais, disse, "Age sempre de tal modo que o teu comportamento possa vir a ser princípio de uma lei universal". Desta mensagem depreende-se que a renúncia ao voto seria uma catástrofe. A identidade europeia padeceria face à renúncia à democracia. Assim, coloco a segunda e última questão: porquê votar?
Proponho duas razões para responder a esta pergunta. A primeira exprime o facto de a resignação ser uma declaração de derrota. Abster-se é pecar pela cidadania, é resignar-se perante a preguiça ou perante o pessimismo conformista. A segunda razão centra-se na possibilidade de votar em branco. O voto em branco anula todos aqueles argumentos proferidos pelos que dizem não votar porque não gostam de nenhum dos candidatos. Se não gostam de nenhum dos candidatos, votem em branco, mas votem.
Dever-se-á prestar mais atenção e analisar com maior rigor o peso e a mensagem dos votos em branco. Atribuir-lhes maior relevância poderia ser um bom instrumento para combater a abstenção.
Como republicano, homenageio todos os monárquicos que escrevem no boletim de voto "Viva ao Rei", os quais, sabendo que o seu voto não será considerado válido, exprimem a sua posição política.
E é para isso que serve o voto!