quinta-feira, 28 de junho de 2012

Verbum Die (XVIII)

Nada é mais desagradável do que uma pessoa virtuosa com uma mente mesquinha.

Walter Bagehot, in Literary Studies

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Competitividade – A palavra que dá para tudo


A questão da competitividade é muitas vezes abordada de forma simplista e leviana. Em Portugal e, provavelmente, em todos os países, é afirmado de forma recorrente a necessidade de melhorar os índices de competitividade. Porém, esta questão é constantemente aproveitada para defender retrocessos nos direitos laborais, entre outras reivindicações de teor reaccionário. Os factores que contribuem para a competitividade são muitos e variados e dependem das características de cada país, uma vez que cada um tem a sua geografia, história, recursos e cultura. David Ricardo, histórico economista luso descendente, desenvolveu a famosa teoria das vantagens comparativas, onde cada país teria que, numa economia internacional aberta, desenvolver as suas potencialidades e pontos fortes por forma a garantir mercados onde possa ser altamente competitivo. Apesar do passar dos tempos e do desenvolvimento teórico das ideias de David Ricardo, vemos nos dias que correm inúmeras intervenções públicas no sentido de Portugal se tornar mais competitivo em relação ao exterior.

Exige-se um amplo debate nacional no sentido de seleccionar os sectores para os quais a economia portuguesa deve estar apontada, sem cair no “erro islandês” de pôr todos os ovos no mesmo cesto. Ouvimos falar muito do mar, uma vez que Portugal goza de um grande território marítimo, infelizmente mal aproveitado. Mas não parece haver incentivos que contribuam para que a iniciativa privada possa investir nas inúmeras actividades marítimas, uma vez que este tipo de investimento exige uma grande capacidade de financiamento.

Ora, o financiamento às empresas, em qualquer das actividades em que actuem, é um dos grandes obstáculos que os empresários portugueses enfrentam. Dificilmente conseguem competir com empresas de outros países quando estas têm ao seu dispor maior e melhor financiamento – falar de financiamento às empresas não pode significar endividamento de empresas para cobrir custos correntes mas sim para investir.

Outro grande obstáculo que as empresas portuguesas enfrentam está no funcionamento da justiça. É uma questão complexa, onde qualquer análise simplista dificilmente escapará à demagogia.

Felizmente, ao que parece, o nosso sistema tributário tem melhorado, apesar de continuar complicado para as empresas, principalmente para as PME´s. Espera-se, relativamente a esta matéria, que o relacionamento entre a administração fiscal e as empresas se possa tornar mais transparente.

Quanto ao debate sobre os sectores para onde a economia portuguesa se deve virar, ficar-nos-emos, provavelmente, por debates televisivos cujo tempo não permite passar das afirmações banais e das menções a lugares comuns. Quanto às conferências, são cada vez mais espaços de concordância formal e menos de dialéctica. Assim, numa era onde proliferam as plataformas comunicacionais, parece ser impossível estabelecer um debate profundo entre diferente visões e projectos para Portugal, cujo futuro continuará a alimentar-se em cadeias de fast-food.

Num país onde graça o desemprego, onde quem quer trabalhar não tem oportunidades, onde as boas qualificações da sua juventude não são aproveitadas, onde os emigrantes fazem sucesso lá fora porque são trabalhadores aplicados e, finalmente, onde o salário médio é dos mais baixos da união Europeia (assim como o salário mínimo), dever-se-ia “ostracizar” quem estabelece uma relação de causa-efeito entre a remuneração do trabalho e a falta de competitividade. Antes ouvir um contador de histórias da taberna portuguesa, que um vendedor de banha da cobra de colarinho branco.

Publicado no jornal online "Letra1", em 22/06/2012

quarta-feira, 20 de junho de 2012

De indefinição em indefinição




A Nova Democracia, encabeçada por Antonis Samaras, venceu as eleições legislativas gregas do Domingo passado, permitindo que muita gente respirasse fundo, nomeadamente aqueles que se revêem na actual política europeia. O que é facto é que o Presidente grego Karolos Papoulias deverá por esta altura estar a conversar com Samaras e a inteirar-se das dificuldades relativas à formação de um novo governo. Se, por um lado, a Nova Democracia precisa de se coligar com o Pasok, uma vez que não obteve a maioria absoluta – mesmo com o “bónus” de 50 deputados que o sistema eleitoral grego prevê para o partido vencedor – por outro lado, o Pasok, terceiro classificado nas eleições, afirma que apenas fará parte do novo executivo se o Syriza, segundo partido mais votado, também o integrar. Ora, como seria de esperar, o Syriza recusa-se a integrar um governo com os dois partidos responsáveis pelo “estado de coisas” na Grécia.

Alexis Tsipras, líder do Syriza, apesar de não ter conseguido vencer as eleições, alcançou um resultado extraordinário: 27% face aos 17% da primeira volta das eleições. Este jovem político de 38 anos, enfrentou a chantagem de vários líderes europeus, nomeadamente da Senhora Merkel, sem nunca se desviar dos seus princípios e mantendo sempre uma coerência nos seus discursos e ideias, características raras nesta classe política dos tempos que correm.

Relativamente aos comunistas ortodoxos do KKE, liderados por Aleka Papariga, os resultados foram muito negativos, tendo descido de 8,5% na primeira volta para 4,5% na segunda. Provavelmente, a causa para esta descida reside na recusa deste partido em se coligar com o Syriza, revelando uma rigidez inqualificável. Quanto aos neonazis da Aurora Dourada, os resultados mantiveram-se relativamente inalterados.

Perante tudo isto, confrontamo-nos com a continuação da indefinição grega. Os partidos que defendem o memorando obtiveram apenas 41% dos votos, o que significa que este continua a ter um fraco apoio do povo grego, cansado de um programa que merece a crítica da grande maioria dos economistas. Face a esta constatação, Samaras prometeu renegociar os termos do memorando, o que deixou a Alemanha de olho franzido, tendo já um porta-voz do governo germânico deixado claro que a “solidariedade” alemã tem limites.

Vemos na Europa uma onda crescente de intelectuais, artistas, estudantes, entre outros, oporem-se com maior veemência ao modelo da austeridade. Veja-se o que aconteceu ontem em frança, onde os socialistas obtiveram uma vitória estrondosa através de um discurso contrário ao que se tem feito até esta data na Europa. E a razão para isto é muito simples: a austeridade adoptada como antídoto para os problemas europeus assemelha-se ao método salazarista/fascista, onde a promoção da necessidade de viver pobre mas honrado choca com a luxúria crescente de um punhado de gente que constrói e financia esta promoção. No tempo do Salazar eram os grandes industriais como a família Mello, hoje são os banqueiros que vêem os seus prejuízos e disparates serem pagos pelos cidadãos dos países em que operam. Se desconfia daquilo que escrevo perca algum tempo a analisar o que aconteceu em Espanha, que passou de uma divida pública considerada aceitável para uma situação de insustentabilidade, devido à “nacionalização” dos prejuízos dos seus bancos.

Pessoalmente, creio que todos devemos aplicar alguma austeridade às nossas contas, por forma a pouparmos e não estarmos exageradamente dependentes de financiamento externo. Mas uma coisa é falarmos desta austeridade de tipo protestante, outra é falarmos da austeridade em que vivemos no sul da Europa, que apenas promove miséria. Veja-se o que aconteceu há menos de cem anos atrás na Alemanha, o berço do protestantismo, onde as condições que lhe foram impostas pelas potências vencedoras após a primeira grande guerra, levaram a República de Weimar a adoptar um conjunto de medidas a que chamava de “austeras” para recuperar as contas públicas. Resultado: ascensão do nazismo! E se acha que a história não se repete, perca algum do seu tempo a estudar a emergência do nacionalismo na Europa actual…

Publicado no jornal online "Letra1", em 18/06/2012

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Verbum Die (XVII)

Da Condição Humana

Todos sofremos.
O mesmo ferro oculto
Nos rasga e nos estilhaça a carne exposta
O mesmo sal nos queima os olhos vivos.
Em todos dorme
A humanidade que nos foi imposta.
Onde nos encontramos, divergimos.
É por sermos iguais que nos esquecemos
Que foi do mesmo sangue,
Que foi do mesmo ventre que surgimos.

Ary dos Santos, in 'Liturgia do Sangue

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Da Europa à Grécia, vemo-nos gregos


A grande maioria da população grega quer a permanência na Zona Euro. Na União Europeia, os governos que se pronunciaram sobre esta questão e a Comissão Barroso defendem a permanência da Grécia na Zona Euro. E mesmo o Syrisa, partido à esquerda do Pasok e forte candidato à vitória das eleições do dia 17 de Junho, defende a permanência da Grécia na zona euro. A questão, claro está, centra-se na escolha do melhor projecto para que essa permanência se concretize. E se quiséssemos analisar esta questão a fundo, teríamos que alargar o espectro da discussão para o funcionamento do Banco Central Europeu.

A criação do euro à imagem e semelhança do marco alemão levantou muitos problemas relacionados com a capacidade de países com moedas mais fracas, como Portugal e Grécia, se adaptarem a esta nova moeda. Alguns economistas cedo apontaram para estes problemas, cujo melhor exemplo em Portugal é João Ferreira do Amaral.

Ao constatarmos uma taxa de desemprego jovem superior a 40 % nalguns países da Zona Euro, rapidamente compreendemos que a resposta europeia à crise não tem surtido efeito, não descurando as responsabilidades que os governos e bancos destes países têm perante este cenário. Face a esta situação, alguns cidadãos gregos, designadamente da cidade de Volos, recorrem a uma solução ancestral: a criação de uma moeda que funciona como um cheque pessoal, reconhecida por um conjunto de cidadãos que depositam uma forte confiança entre si. A principal vantagem deste sistema reside no fortalecimento das trocas entre pessoas de baixos rendimentos.


Assentando num modelo distinto do que estes cidadãos gregos praticam, o Deutsche Bank, o banco privado alemão mais poderoso, propôs a introdução de uma moeda paralela na Grécia no caso de os adversários das medidas de austeridade ganharem as eleições legislativas. Esta proposta assenta na emissão de títulos de dívida pública helénicos, que poderão ser vendidos nos mercados de capitais. O pretendido é, por um lado, garantir a continuação dos apoios financeiros internacionais para que a Grécia possa pagar as suas dívidas, e, por outro, possibilitar às autoridades gregas desvalorizarem a sua própria moeda sem ser necessário abandonar o Euro.

Inicialmente, segundo os estudos do Deutsche Bank, o “Geuro”, nome sugerido para esta moeda, sofreria uma forte desvalorização em relação ao Euro, apesar de o governo grego ter a possibilidade de apreciar a sua nova moeda através de uma política de austeridade orçamental.


Em suma, alargam-se os horizontes em relação ao debate sobre o que fazer perante a tragédia grega. Mas se a cultura europeia se iniciou na Grécia e se difundiu por toda a Europa através dos Romanos, a tragédia grega pode também difundir-se por toda a Europa através da consagrada incompetência dos líderes europeus. A questão já ultrapassa o razoável – uma coisa é adoptar uma política de refreamento do consumo e de estímulo da poupança, outra é adoptar políticas draconianas cujos resultados estão ao alcance de uma elementar cultura histórica.


Publicado no Jornal online "Letra1", em 11/06/2012

terça-feira, 12 de junho de 2012

Verbum Die (XVI)

A Poesia não se Inventou para Cantar o Amor

A poesia não se inventou para cantar o amor — que de resto não existia ainda quando os primeiros homens cantaram. Ela nasceu com a necessidade de celebrar magnificamente os deuses, e de conservar na memória, pela sedução do ritmo, as leis da tribo. A adoração ou captação da divindade e a estabilidade social, eram então os dois altos e únicos cuidados humanos: — e a poesia tendeu sempre, e tenderá constantemente a resumir, nos conceitos mais puros, mais belos e mais concisos, as ideias que estão interessando e conduzindo os homens. Se a grande preocupação do nosso tempo fosse o amor — ainda admitiríamos que se arquivasse, por meio das artes da imprensa, cada suspiro de cada Francesca. Mas o amor é um sentimento extremamente raro entre as raças velhas e enfraquecidas. Os Romeus, as Julietas (para citar só este casal clássico) já não se repetem nem são quase possíveis nas nossas democracias, saturadas de cultura, torturadas pela ansia do bem-estar, cépticas, portanto egoístas, e movidas pelo vapor e pela electricidade. Mesmo nos crimes de amor, em que parece reviver, com a sua força primitiva e dominante, a paixão das raças novas, se descobrem logo factores lamentavelmente alheios ao amor, sendo os dois principais aqueles que mais caracterizam o nosso tempo: o interesse e a vaidade. Nestas condições, o amor que voltou a ser, como na Grécia, um Cupido pequenino e brincalhão, que esvoaça, surripiando aqui e além um prazer fugitivo — é removido para entre os cuidados subalternos do homem, muito para baixo do dinheiro, muito para baixo da política... É uma ocupação, sem malícia o digo, que se deixa para quando acabar o dia verdadeiro e útil, e com ele os negócios, as ideias, os interesses que prendem. «Já não há hoje nada de produtivo a fazer? Já não há nada de sério em que pensar?... Bem! Então, um pouco de perfume nas mãos, e abra-se a porta ao amor que espera!» A isto está reduzida a Vénus fatal e vencedora!
Ora quando uma arte teima em exprimir unicamente um sentimento que se tornou secundário nas preocupações do homem — ela própria se torna secundária, pouco atendida e perde a pouco e pouco a simpatia das inteligências. Por isso hoje, tão tenazmente, os editores se recusam a editar, e os leitores se recusam a ler, versos em que só se cante de amor e de rosas. E o artista que não quer ser uma voz clamando no deserto e um papel apodrecendo no armazém, começa a evitar o amor como tema essencial da sua obra.

Eça de Queirós, in 'A Correspondência de Fradique Mendes

domingo, 10 de junho de 2012

Quando nacionalizar é a palavra de ordem de alguns líderes latino-americanos




Nos últimos anos, parte significativa da América Latina tem adoptado uma agenda política semelhante, que assenta, essencialmente, numa estratégia de fortalecimento do Estado perante o sector privado. Esta estratégia reflecte-se na nacionalização de empresas que integram os sectores fundamentais das respectivas economias: siderurgia; mineração; hidrocarbonetos; transportes; educação; saúde; comunicação e banca. Este bloco latino-americano por alguns designado “bloco socialista”, integra a Venezuela, a Bolívia, o Equador e a Argentina. Segue-se no presente artigo, uma brevíssima descrição do processo em cada um destes países e do modelo distinto adoptado pelo Brasil.

Venezuela 

Hugo Chávez, no poder desde 1999, tem associado a construção do socialismo do século XXI ao processo de nacionalizações que tem coordenado. Deste processo podemos destacar a nacionalização da Compañia Anónima Nacional de Teléfonos de Venezuela (CANTV), outrora controlada pela empresa norte-americanaVersíon, e da Empresa de Electricidad de Caracas (EDC), outrora controlada pela AES. Através do seu discurso inflamado e mobilizador, Hugo Chávez é actualmente o mais mediático dos líderes latino-americanos, aludindo constantemente ao legado de Simón Bolívar, militar e político venezuelano que lutou pela independência da América espanhola. Chávez critica de forma contínua as actuações da NATO e, em especial, dos EUA.

Bolívia

Evo Morales, o primeiro índio a chegar à presidência boliveriana, em 2006, herdou um dos países mais pobres da América Latina mas que possui a segunda maior reserva de gás natural do continente americano. Iniciou o processo de nacionalização dos hidrocarbonetos, aproveitando a data simbólica do 1º de Maio para nacionalizar companhias eléctricas, petrolíferas e metalúrgicas. Destas, podemos destacar a YPFB (estatal boliviana de gás e petróleo) e a Red Eléctrica. Para estes e outros casos, a justificação da nacionalização prendeu-se com o baixo nível de investimento das empresas privadas, como a espanhola Repsol e a brasileira Petrobras.

Equador

 Com a subida de Rafael Correa ao poder, em 2007, o Equador passou a ter o mesmo mote para o seu desenvolvimento que os países anteriormente referidos – criar e praticar o socialismo do XXI. No entanto, o modelo desenvolvido por Correa é diferente do que é praticado por aqueles países. Veja-se o teor da reforma da lei relativa aos Hidrocarbonetos, que permite aos privados proceder à prestação de serviços, cabendo ao Estado recolher toda a produção por um preço definido por si. Rafael Correa ficou conhecido pela forma como lidou com a dívida pública no momento em que chegou ao poder, anulando-a por a considerar ilegítima devido à corrupção que envolvia a sua formação.

Argentina

A Argentina, pela importância história e geográfica que comporta, tem tido um acompanhamento mediático mais intenso. Desde a sua chegada à presidência, em 2007, Cristina Kirchner tem reclamado o direito de os argentinos escreverem a sua própria história sem interferência de interesses externos. Partindo deste princípio, Kirchner tem adoptado algumas posições controversas, nomeadamente a expropriação de 51% das acções da Repsol na YPF (petrolífera argentina que em 1999 havia sido privatizada). Esta decisão assenta em dois factores fundamentais: a intenção de este país fortalecer a soberania energética; e a acusação de que a Repsol não teve uma gestão eficiente (sustentada, em parte, no facto de a Repsol proceder frequentemente à distribuição de dividendos aos seus accionistas, não os reinvestindo – entre 1999 e 2011 a YPF obteve ganhos líquidos de 16.450 milhões de dólares, dos quais repartiu 13.246 milhões pelos seus accionistas), colocando em risco o auto-abastecimento de combustíveis do país. Refira-se que, para além dos governantes e dos respectivos apoiantes, muitos sectores da oposição, sindicatos e movimentos sociais têm aplaudido o processo de nacionalização da YPF.

A descoberta por parte da Repsol-YPF de uma reserva na província de Neuquén, designada por “Vaca Muerta”, com potencial para a produção de 22 mil milhões de barris, galvanizou a polémica em torno deste processo de nacionalização. Tal descoberta pode catapultar a Argentina para outro patamar ao nível da exploração petrolífera.

Brasil – um caso diferente

O Brasil, que já é o principal destino dos investimentos de Espanha na região, tem beneficiado de uma maior segurança jurídica e de um ambiente político e económico mais estável comparativamente aos seus vizinhos. O modelo brasileiro, que permitiu ao país passar de importador de petróleo para o auto-abastecimento em 15 anos, tem sido referido como exemplo. Este modelo conta também com uma forte presença do Estado, que garante uma política de gestão a longo prazo e, por consequência, uma maior propensão para atrair investidores. Ainda assim, o Brasil é muitas vezes criticado pelo seu altíssimo proteccionismo, o que poderá, por outro lado, desviar certos tipos de investimento para países como a Colômbia e o México.

Conclusão

Face à dinâmica que observamos na América Latina, a análise desenvolvida por Georg Caspary para o Deutsche Bank sobre o mercado de energia desta região, alcança uma conclusão lógica para o leitor – o elevado grau de desigualdade (comparativamente a outras regiões em desenvolvimento) e a riqueza dos recursos naturais são os motores impulsionadores para o que o autor chama de “nacionalismo de recursos” ou “nacionalismo energético”.



Publicado no jornal online "Letra1", em 06/06/2012

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Portugal Outlook




Numa época cuja interdependência entre os diversos actores internacionais se afirma como um factor essencial para a compreensão da dinâmica político-económica global, atentar sobre qual a ideia de Portugal no estrangeiro e o que sobre nós se pensa é um exercício de grande relevância. Assim, este artigo apresenta-se como um modesto contributo nesse sentido, projectando uma breve análise sobre a imagem do Governo português no estrangeiro.

As eleições

Os resultados das eleições legislativas portuguesas do dia 5 de Junho de 2011 foram vistos pela imprensa internacional como factor integrante de um fenómeno à escala da União Europeia: a derrota, nas respetivas eleições, dos governos que se viram a braços com uma crise financeira sem precedentes desde os acordos de Bretton Woods.

A capa da edição nacional do El País (jornal espanhol) fez manchete com a alteração política em Portugal – “A crise arrasa com os socialistas portugueses nas eleições”. Entre os jornais alemães, o Spiegel escreveu que “os portugueses castigam o Governo de Sócrates e entregaram o poder aos conservadores do PSD” e o Frankfurter Allgemeine destacou a derrota de Sócrates. Nos jornais francófonos, o Le Monde não atribuiu grande importância aos resultados das eleições portuguesas, ao passo que o Libération sublinhou a subida ao poder de Passos Coelho. Já no Reino Unido, o Financial Times escreveu que “a vitória social-democrata abre caminho para o resgate externo no valor de 78 mil milhões de euros”, enquanto o The Guardian destacou que Passos Coelho obteve uma grande vitória eleitoral, em sintonia com um movimento de mudança que abrange toda a Europa. Finalmente, em Itália, o Corriere della Sera afirmou que “como previsto, o eleitorado português puniu o PS”.

Primeiros passos do executivo

Poucos meses após a entrada em funções do governo passista, Obama já clamava numa conferência na Casa Branca que “ao contrário do que as pessoas andam a dizer, nós não somos a Grécia nem Portugal”. Acrescentando ainda que “ao contrário da Grécia ou Portugal, nós temos a possibilidade de estabilizar as finanças da América por uma década ou 15 e 20 anos, se quisermos agarrar este momento”. Decididamente, estas não foram palavras de estímulo ao Governo português que então iniciava funções.

A somar ao cenário negativo que as perspectivas sobre Portugal carregavam, veio juntar-se o escândalo das contas públicas da Região Autónoma da Madeira, que fez manchete de artigos em vários jornais internacionais e notícia na maioria dos telejornais europeus.

Passados poucos meses de governação passista, surgiam as primeiras avaliações ao trabalho do executivo. Escrevia, então, o El País sobre Portugal que “o governo… eliminará os subsídios aos funcionários [públicos] que ganhem mais de 1.000 euros por mês, medida que também abrange os pensionistas.” O Le Monde destacava, por sua vez, a nova série de medidas austeras que iriam ser implementadas em Portugal, em convergência analítica com o que o Le Fígaro chamava de “Orçamento de rigor para 2012″. As descidas de rating de que Portugal foi alvo por parte das agências norte-americanas, que já vinham do governo anterior, enegreceu o quadro que a imprensa internacional traçava sobre Portugal . No El País, podia-se ler que “a agência Moody’s baixa a divida de Portugal ao nível lixo”. O Tema não passou despercebido em Inglaterra, designadamente através do The Times.

2012 – a continuação

Já em Janeiro do presente ano, o acordo laboral alcançado através da concertação social, assinado pelo governo, pelo patronato e pela UGT, foi bem visto pelos líderes e pela imprensa internacionais. A chanceler alemã, Angela Merkel, louvou publicamente o sucesso desta concertação social, integrando-a nos sucessos alcançados na Europa para uma política sustentável. Infelizmente, este acordo laboral parece estar em cheque, uma vez que a UGT reclama a falta de cumprimento do governo para com o acordado relativamente ao crescimento económico. E também isso faz eco lá fora…

Dois meses mais tarde, Portugal volta à ribalta mediática devido à Greve Geral de 22 de Março, a segunda desde o resgate financeiro protagonizado pela Troika. O The Wall Street Journal citou as declarações do secretário-geral da CGTP, Arménio Carlos – “o país chegou ao máximo de austeridade que pode aguentar!” Ao passo que o jornal francófonoLibération, intitulou um artigo sobre a greve geral de “Um Portugal em greve quer dizer basta à austeridade.”

Mas a maioria dos líderes europeus, principalmente os que se identificam com a linha política do actual Governo, tem vindo a lançar elogios sobre o actual executivo. Veja-se o exemplo do agora ex-presidente francês, Nicolas Sarkozy, numa entrevista ao Expresso – “Estou muito optimista com Portugal. Portugal está em avanço, tal como a França, quanto aos seus objectivos em matéria de redução do défice”.

Do Portugal em palavras ao Portugal real

Esta retórica optimista que também Angela Merkel, Durão Barroso, entre outros, têm tido em relação ao governo português, procurando encorajá-lo num mandato difícil, não tem tido eco na imprensa internacional, nem nas agências de rating. Refira-se o exemplo da Associated Press, que recentemente realizou uma reportagem sobre Portugal. Nesta é traçado o retrato de um país com cada vez mais casos de famílias a declararem falência. Antigamente poucas famílias portuguesas declaravam falência, em contraste com o que hoje acontece, onde o número de insolvências pessoais (mais de 670 mil portugueses) já é superior ao das empresas.

Publicado no jornal online "Letra1", em 05/06/2012