sábado, 3 de abril de 2010

Aniversário

Seus olhos negros absolveram os monstros que na sua existência perpetuam.
Os meus brilharam com o contentamento dos próximos estarem próximos.
Sua boca abriu-se num sorriso, mostrando a brancura das suas palavras.
A minha também sorriu, mostrando a sorte de quem convive com o conforto.
Ambos fazíamos anos, certamente com idades e histórias diferentes.
Pedi e fiz entender o que queria. Dinheiro... para fins materiais e não por necessidade alguma.
Estava certo de que pedia o justo. Eu mereço porque cumpri com os deveres base... eu mereço!
Ele, quando se preparava para pedir algo, parou antes de o dizer, olhou para o chão, pensou, e devolveu o olhar.
Disse não querer nada. Pelo menos em concreto. Apenas o bem estar daqueles que o rodeavam.
Ele afirmou não precisar de mais nada! Nada!
Ele que perdeu os pais com tenra idade. Ele que vive cada dia sem os seus pais. E é tão novo...
Ele que diariamente chora na solidão, sem ter ninguém para o abraçar e consolar. Ele que é responsável pelos seus irmãos, tão novos, órfãos e sem memórias paternas. Ele que se arrisca na profissão que seu pai desempenhara e onde perdera a vida, só assim pode sobreviver. E sobrevive... apenas. Ele não pediu nada! Queria, somente, que não lhe tirassem mais nada.
Eu pedi aquilo que ainda não tenho. Vão sempre haver coisas que não tenho....
Eu nasci no Ocidente. Sou Europeu, da classe média, estou talhado para competir com outrem, estou talhado para vencer sozinho. Aqui vence-se sozinho.
Ele nasceu em África. É moçambicano e integra-se na classe social dominante, naquele e noutros países. Está talhado para sobreviver, a competição mais feroz da natureza. No entanto, é menos agressivo que eu. E a sua vitória será a dos seus.
Em África, o corpo apodrece na seca de recursos essenciais à vida.
Olhando para baixo, a Europa vê lentamente a sua alma degenerar-se, sangrando, sangrando, sagrando.
Olhando para cima, África reza sem esperança na vontade dos homens, afundando-se no deserto da fome e da sede, afundando-se na selva das atrocidades e do terror.
Individualismo não é liberdade individual. Individualismo é a doutrina pura do cifrão. O cifrão não se partilha, é de um só dono. Assim, os seus discípulos reflectem no seu comportamento a natureza do cifrão.
Competitividade Vs. Complementaridade. Conciliáveis? Se tiver que optar, a resposta não vem só da minha razão, vem, também, do meu coração. Gosto tanto mais da segunda. Prefiro olhar para ti, dar-te um abraço, e juntos conseguirmos, do que pisar-te (ou ser pisado) e virar-te as costas.
Economicamente é pior? E sociologicamente, psicologicamente, antropologicamente, politicamente,.......? Sabem, parece-me que o cifrão se sente bem nos argumentos económicos, sem nunca sair de lá. Economia e sociologia entrelaçam-se, contudo, anda por aí o cifrão a especializar-se no desfazer de nós, de certos nós.
Tenho mais um ano, supostamente mais maturidade. O que quero é especializar-me em fazer nós. Belos nós. Gostava de conhecer aquele rapaz africano, um verdadeiro mestre de nós.