quinta-feira, 22 de novembro de 2012

A novela de uma greve

A greve geral do dia 14 de Novembro de 2012 constituiu um acontecimento particularmente importante. Pela primeira vez, no presente século, foi organizada uma greve geral transnacional, apoiada pela Confederação Europeia dos Sindicatos. No nosso país, em Espanha, na Itália e na Grécia, homens e mulheres, empregados e desempregados, idosos e jovens, saíram às ruas para expressar a sua indignação com as políticas dos respectivos governos e com a linha “merkeliana” que a Zona Euro está a seguir. Este acontecimento tornou-se ainda mais particular com as manifestações de apoio aos países do sul ocorridas na Bélgica, no Reino Unido, em França e na Áustria.

Nos quatro países onde ocorreu, a greve foi um sucesso. Em Portugal, vimos uma das greves com maior adesão de sempre, acompanhada por manifestações em todo o país, com destaque para Lisboa, onde uma multidão saiu à rua. Cada vez mais, estas manifestações reúnem pessoas sindicalizadas e não sindicalizadas, que fazem parte de determinados movimentos sociais, outras que, não integrando nem sindicatos nem movimentos sociais, as fortalecem com a sua presença.

Infelizmente, o sucesso da greve geral foi abafado por um conjunto de pessoas que resolveram criar desacatos com a polícia em frente da Assembleia da República, apesar de muitos manifestantes, não sendo polícias, terem tentado e, por vezes, conseguido amenizar os actos daquele conjunto de desordeiros. Estive lá. Tentei fazer alguma coisa, assim como muitas pessoas como eu. Entre a esmagadora maioria dos manifestantes que lá estavam, questionava-se quem seriam aqueles que estão a estragar isto. Qual a razão de a polícia estar há mais de uma hora sem fazer nada?
Tentámos, sentámo-nos em cima da calçada para que não a esburacassem ainda mais, mas não foi possível.

A seguir, veio uma intervenção policial que manchou ainda mais a manifestação. Dizem que avisaram por megafone para que as pessoas dispersassem. Eu, como toda a gente com quem falei que esteve presente, não ouvi nada. Até a SIC, que tinha uma câmara ao lado do polícia com o megafone, se viu na necessidade de colocar legendas nas filmagens.

Por várias vezes, a polícia à paisana infiltrada em manifestações interveio em momentos onde um conjunto de pessoas recorria à violência, cortando pela raiz as suas intenções. Mas, naquele final de tarde, o mesmo não aconteceu. As ordens – não sei de quem – foram para que aqueles polícias ficassem sujeitos ao apedrejamento durante quase duas horas. Se foi para legitimar o que vinha a seguir, não sei.

O que é facto é que, quando a carga policial surge, os desordeiros que estavam à frente foram os primeiros a aperceberem-se e os primeiros a fugirem, resultando no espancamento policial dos que estavam atrás, apanhados de surpresa pela raiva que cada um daqueles homens que havia sido apedrejado durante horas carregava.

Lembro-me de correr a toda a velocidade, tendo perdido aqueles que estavam comigo. Quando fui ao encontro deles vi um senhor idoso a jorrar sangue pela cabeça abaixo e a chorar ao mesmo tempo. Afinal, quando se tem setenta anos a velocidade já não é a mesma.

Meti a mão ao bolso em busca de lenços que normalmente trago comigo, peguei em dois ou três e coloquei-os na ferida que o senhor tinha na cabeça e, enquanto o levava para os bombeiros ali perto, ouvindo os soluçares de uma pessoa que podia ser o meu avô, interrogava-me: existirá alguma razão para se bater violentamente num idoso que se manifesta pacificamente?


Publicado no jornal online ptjornal, em 18/11/2012

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