sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Antes um banco para se sentar do que um banco para se depositar

A crise é como que um tornado ao qual só resistem as estruturas mais poderosas. Esse tornado atravessou o sistema bancário e muitas destas instituições resistiram por serem consideradas “ too big to fail ”, ou seja, demasiado grandes para poderem falir. É claro que, sobre a teia do sistema económico que vigora cá neste mundo, deixar os bancos mais poderosos falir geraria o amplamente abordado “ efeito dominó ”. Desesperadamente e sem alternativa, os contribuintes pagam quantias faraónicas para segurar o sistema bancário, esperando no mínimo ver os “ activos tóxicos “ banidos do seu funcionamento.
Antes da década de oitenta, a vida de um banqueiro norte-americano regia-se pela táctica 3-6-3. Pedir emprestado a três por cento, emprestar a seis por cento e iniciar o jogo de golf às três da tarde. Desde então, muitas coisas se alteraram face à crescente desregulamentação do sistema bancário, abrindo-se não as portas mas os portões a decisões cujo conteúdo é compôsto pela incerteza e pelo risco. Longe vão os tempos da Glass Steagall, a lei nascida do New Deal que proibia os bancos de investir na bolsa, tendo sido eliminada pela incrementação da ideologia neo-liberal. Qual foi o resultado imediato desta mudança? As poupanças das pessoas depositadas nos bancos deixaram de ter a importância tradicional que outrora tiveram na gestão bancária. Passaram a ser os complexos produtos derivados, os quais por vezes ninguém sabia detalhar, a ocupar o centro das movimentações financeiras, embora em Portugal tal não tenha tido o impacto que teve em países como os EUA.
Estavamos numa altura onde se concediam empréstimos sem critérios e com um peso reduzido de fundos próprios. Era a engenharia financeira no seu pior! E ainda existiam as seguradoras a fomentar estes processos obscuros, como é o exemplo da famosa AIG ( American International Group ).
Até que um dia,BOOOOOM. Explodiu a bomba!! Crise! Que chatice... muitos dos devedores dos bancos deixaram de poder liquidar a sua divída. Os bancos com a força do tornado são arratados para o abismo da falência... e com eles as seguradoras. Que cena! Sector imobiliário passou a residir nas trevas, actividade económica ao ritmo do caracol, literalmente ao ritmo do caracol, e o desemprego ao ritmo de uma chita, literalmente ao ritmo de uma chita. E agora? Como vão os “privados” resolver tamanha catástrofe?...?...? tá quase... olha, engoliram o orgulho! ESTADO! Gritaram pelo Estado!
Certamente, com o passar da crise e o aproximar de outra, os bancos, um por um, serão devolvidos aos seus accionistas. O comunismo à soviética precisou de 74 anos para se desmoronar. Esperemos que o neo-liberalismo iniciado nos anos oitenta não precise de metade do tempo para ter o mesmo destino.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

As tropas do além

As tropas do além já não existem. Desfizeram-se em certezas e a cada soldado foi dada uma reforma singela e um moinho. Alguns escolheram um moinho de água, outros um moinho mouro e outros ainda um moinho que não era bem um moinho.
É o realizar de um sonho para cada um daqueles homens que um dia foram anjos. Combateram ferozmente durante muito tempo, dedicaram muitos momentos da sua vida a contemplar aquilo que agora conseguiram, respiram o sonho de experiência feito.
Brados, outrora um anjo comandante, é um homem de barba e cabelos curtos e grisalhos, de estatura média e entroncado pelos infinitos combates a que foi sujeito, a sua boca há muito se mantém serrada pelos tão assustadores massacres a que os seus olhos assistiram, os quais se tornaram cinzentos pela aridez dos seus sentimentos. Interroga-se a cada instante se terá perdido a ternura, não sabe aquilo que sente, não consegue codificar o seu estado de alma.
Brados foi um dos mais tenazes soldados do além, chegou a comandante pela bravura demonstrada no sangrento campo de batalha. Trouxe consigo dezenas de chifres arrancados aos demónios que matou para eternizar a memória da sua incontestável coragem e ousadia. Hoje, sofre por não conseguir esquecer aquilo que viveu, por não conseguir olhar o futuro, sofre do síndrome “ausência de sonhos”.
Se Brados atravessa o mais negro momento da sua vida, imagine-se o estado de alma de outros homens que um dia alinharam nas tropas do além. Outros homens psicologicamente menos fortes que Brados. A paz trouxe a agonia aos ex-combatentes!
Quando se assina um armistício, quando um dos lados se rende ou, por e simplesmente, deixa de existir, diz-se que a guerra acabou. Não é verdade. A guerra só acaba aquando todos os que nela participaram jazem mortos, sejam vencedores ou derrotados. Para quem viveu sobre a morte iminente, a guerra é sempre a perder.
Brados é realmente um homem de raras qualidades. Veja-se que ultrapassou os tormentos da memória, buscando o presente sem pensar no futuro. "Presente é vida, futuro é morte", por estranho que pareça esta tornou-se a máxima de cada acção por ele protagonizada. Neste momento, prepara um banquete na gruta dos esquecidos, convidou todos os seus camaradas de guerra e, sabendo que a grande maioria não conseguiria sequer desligar-se dos tormentos da memória, pediu a Deus que concedesse o mínimo a que têm direito, um apagão cerebral. Assim, na gruta dos esquecidos, Brados delicia-se ao ver todos os seus camaradas ainda vivos reunidos e a comer sobre um apetite feroz.
Na vida real, existem memórias que não se apagam. Algumas delas constituem uma sentença perpétua para quem as viveu. O mínimo que Deus lhes pode dar é um lugar no paraíso.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

José Saramago

Conheço muito mal a obra de Saramago. Nem imaginam o quanto. Mas, mesmo assim, quero prestar a minha homenagem a esta grande figura a quem um dia tive o prazer de apertar a mão, juntamente com centenas de pessoas na feira do livro em Lisboa.
Vou certamente intensificar a minha atenção sobre a sua obra. Concluo esta homenagem com uma frase por si criada, cuja simplicidade ilumina o que de mais obscuro existe. " A morte serve para que possamos continuar a viver ".

sábado, 3 de abril de 2010

Aniversário

Seus olhos negros absolveram os monstros que na sua existência perpetuam.
Os meus brilharam com o contentamento dos próximos estarem próximos.
Sua boca abriu-se num sorriso, mostrando a brancura das suas palavras.
A minha também sorriu, mostrando a sorte de quem convive com o conforto.
Ambos fazíamos anos, certamente com idades e histórias diferentes.
Pedi e fiz entender o que queria. Dinheiro... para fins materiais e não por necessidade alguma.
Estava certo de que pedia o justo. Eu mereço porque cumpri com os deveres base... eu mereço!
Ele, quando se preparava para pedir algo, parou antes de o dizer, olhou para o chão, pensou, e devolveu o olhar.
Disse não querer nada. Pelo menos em concreto. Apenas o bem estar daqueles que o rodeavam.
Ele afirmou não precisar de mais nada! Nada!
Ele que perdeu os pais com tenra idade. Ele que vive cada dia sem os seus pais. E é tão novo...
Ele que diariamente chora na solidão, sem ter ninguém para o abraçar e consolar. Ele que é responsável pelos seus irmãos, tão novos, órfãos e sem memórias paternas. Ele que se arrisca na profissão que seu pai desempenhara e onde perdera a vida, só assim pode sobreviver. E sobrevive... apenas. Ele não pediu nada! Queria, somente, que não lhe tirassem mais nada.
Eu pedi aquilo que ainda não tenho. Vão sempre haver coisas que não tenho....
Eu nasci no Ocidente. Sou Europeu, da classe média, estou talhado para competir com outrem, estou talhado para vencer sozinho. Aqui vence-se sozinho.
Ele nasceu em África. É moçambicano e integra-se na classe social dominante, naquele e noutros países. Está talhado para sobreviver, a competição mais feroz da natureza. No entanto, é menos agressivo que eu. E a sua vitória será a dos seus.
Em África, o corpo apodrece na seca de recursos essenciais à vida.
Olhando para baixo, a Europa vê lentamente a sua alma degenerar-se, sangrando, sangrando, sagrando.
Olhando para cima, África reza sem esperança na vontade dos homens, afundando-se no deserto da fome e da sede, afundando-se na selva das atrocidades e do terror.
Individualismo não é liberdade individual. Individualismo é a doutrina pura do cifrão. O cifrão não se partilha, é de um só dono. Assim, os seus discípulos reflectem no seu comportamento a natureza do cifrão.
Competitividade Vs. Complementaridade. Conciliáveis? Se tiver que optar, a resposta não vem só da minha razão, vem, também, do meu coração. Gosto tanto mais da segunda. Prefiro olhar para ti, dar-te um abraço, e juntos conseguirmos, do que pisar-te (ou ser pisado) e virar-te as costas.
Economicamente é pior? E sociologicamente, psicologicamente, antropologicamente, politicamente,.......? Sabem, parece-me que o cifrão se sente bem nos argumentos económicos, sem nunca sair de lá. Economia e sociologia entrelaçam-se, contudo, anda por aí o cifrão a especializar-se no desfazer de nós, de certos nós.
Tenho mais um ano, supostamente mais maturidade. O que quero é especializar-me em fazer nós. Belos nós. Gostava de conhecer aquele rapaz africano, um verdadeiro mestre de nós.