domingo, 10 de junho de 2012

Quando nacionalizar é a palavra de ordem de alguns líderes latino-americanos




Nos últimos anos, parte significativa da América Latina tem adoptado uma agenda política semelhante, que assenta, essencialmente, numa estratégia de fortalecimento do Estado perante o sector privado. Esta estratégia reflecte-se na nacionalização de empresas que integram os sectores fundamentais das respectivas economias: siderurgia; mineração; hidrocarbonetos; transportes; educação; saúde; comunicação e banca. Este bloco latino-americano por alguns designado “bloco socialista”, integra a Venezuela, a Bolívia, o Equador e a Argentina. Segue-se no presente artigo, uma brevíssima descrição do processo em cada um destes países e do modelo distinto adoptado pelo Brasil.

Venezuela 

Hugo Chávez, no poder desde 1999, tem associado a construção do socialismo do século XXI ao processo de nacionalizações que tem coordenado. Deste processo podemos destacar a nacionalização da Compañia Anónima Nacional de Teléfonos de Venezuela (CANTV), outrora controlada pela empresa norte-americanaVersíon, e da Empresa de Electricidad de Caracas (EDC), outrora controlada pela AES. Através do seu discurso inflamado e mobilizador, Hugo Chávez é actualmente o mais mediático dos líderes latino-americanos, aludindo constantemente ao legado de Simón Bolívar, militar e político venezuelano que lutou pela independência da América espanhola. Chávez critica de forma contínua as actuações da NATO e, em especial, dos EUA.

Bolívia

Evo Morales, o primeiro índio a chegar à presidência boliveriana, em 2006, herdou um dos países mais pobres da América Latina mas que possui a segunda maior reserva de gás natural do continente americano. Iniciou o processo de nacionalização dos hidrocarbonetos, aproveitando a data simbólica do 1º de Maio para nacionalizar companhias eléctricas, petrolíferas e metalúrgicas. Destas, podemos destacar a YPFB (estatal boliviana de gás e petróleo) e a Red Eléctrica. Para estes e outros casos, a justificação da nacionalização prendeu-se com o baixo nível de investimento das empresas privadas, como a espanhola Repsol e a brasileira Petrobras.

Equador

 Com a subida de Rafael Correa ao poder, em 2007, o Equador passou a ter o mesmo mote para o seu desenvolvimento que os países anteriormente referidos – criar e praticar o socialismo do XXI. No entanto, o modelo desenvolvido por Correa é diferente do que é praticado por aqueles países. Veja-se o teor da reforma da lei relativa aos Hidrocarbonetos, que permite aos privados proceder à prestação de serviços, cabendo ao Estado recolher toda a produção por um preço definido por si. Rafael Correa ficou conhecido pela forma como lidou com a dívida pública no momento em que chegou ao poder, anulando-a por a considerar ilegítima devido à corrupção que envolvia a sua formação.

Argentina

A Argentina, pela importância história e geográfica que comporta, tem tido um acompanhamento mediático mais intenso. Desde a sua chegada à presidência, em 2007, Cristina Kirchner tem reclamado o direito de os argentinos escreverem a sua própria história sem interferência de interesses externos. Partindo deste princípio, Kirchner tem adoptado algumas posições controversas, nomeadamente a expropriação de 51% das acções da Repsol na YPF (petrolífera argentina que em 1999 havia sido privatizada). Esta decisão assenta em dois factores fundamentais: a intenção de este país fortalecer a soberania energética; e a acusação de que a Repsol não teve uma gestão eficiente (sustentada, em parte, no facto de a Repsol proceder frequentemente à distribuição de dividendos aos seus accionistas, não os reinvestindo – entre 1999 e 2011 a YPF obteve ganhos líquidos de 16.450 milhões de dólares, dos quais repartiu 13.246 milhões pelos seus accionistas), colocando em risco o auto-abastecimento de combustíveis do país. Refira-se que, para além dos governantes e dos respectivos apoiantes, muitos sectores da oposição, sindicatos e movimentos sociais têm aplaudido o processo de nacionalização da YPF.

A descoberta por parte da Repsol-YPF de uma reserva na província de Neuquén, designada por “Vaca Muerta”, com potencial para a produção de 22 mil milhões de barris, galvanizou a polémica em torno deste processo de nacionalização. Tal descoberta pode catapultar a Argentina para outro patamar ao nível da exploração petrolífera.

Brasil – um caso diferente

O Brasil, que já é o principal destino dos investimentos de Espanha na região, tem beneficiado de uma maior segurança jurídica e de um ambiente político e económico mais estável comparativamente aos seus vizinhos. O modelo brasileiro, que permitiu ao país passar de importador de petróleo para o auto-abastecimento em 15 anos, tem sido referido como exemplo. Este modelo conta também com uma forte presença do Estado, que garante uma política de gestão a longo prazo e, por consequência, uma maior propensão para atrair investidores. Ainda assim, o Brasil é muitas vezes criticado pelo seu altíssimo proteccionismo, o que poderá, por outro lado, desviar certos tipos de investimento para países como a Colômbia e o México.

Conclusão

Face à dinâmica que observamos na América Latina, a análise desenvolvida por Georg Caspary para o Deutsche Bank sobre o mercado de energia desta região, alcança uma conclusão lógica para o leitor – o elevado grau de desigualdade (comparativamente a outras regiões em desenvolvimento) e a riqueza dos recursos naturais são os motores impulsionadores para o que o autor chama de “nacionalismo de recursos” ou “nacionalismo energético”.



Publicado no jornal online "Letra1", em 06/06/2012

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