terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Sobre o Natal

− É uma pena que esta luz altruísta nasça nestes dias e morra nos dias seguintes…
− Ainda assim, nasce. Natal é isso mesmo: nascer.
− Mas é uma vida curta. Não resiste à rotina dos dias. É uma espécie de utopia que acontece mas que é interrompida pelo acordar da realidade.
− Pelo menos, é uma oportunidade única de sentirmos a utopia. Se não houvesse Natal, seria uma utopia como todas as outras.
− E acontece porquê? Não somos nós que fazemos essa utopia acontecer? Se se desvanece sempre, é porque o Natal é uma espécie de hino à hipocrisia.
−Não! Para se desvanecer tem que ter nascido. E se nasceu, é porque temos dentro de nós, todos os dias, uma luz altruísta. Simplesmente, o Natal serve como uma espécie de chamamento dessa luz altruísta que vive em cada um de nós. Se não houvesse Natal, não haveria esse chamamento. Seria pior. A hipocrisia está no que vem a seguir.
− Então, os efeitos desse chamamento são demasiado efémeros. É como aquele senhor que vai à missa, que ora a Deus e que sai da igreja flutuando sobre a leveza da comunhão para, instantes depois, voltar a cingir-se aos prazeres da carne. Se calhar, o Natal serve para que, ao sentirmos essa energia altruísta, não nos sintamos tão mal por sermos carne o ano inteiro. É como um analgésico espiritual.
− Se fôssemos, pura e simplesmente, carne, essa luz não existiria. O Natal é a prova que somos seres espirituais. Se não o fôssemos, o Natal não existiria.
− E os presentes? É um sinal da espiritualidade? Ou é um sinal da manipulação, mais uma vez, do espírito pela carne? Como se a carne, ao perder um pouco do seu espaço, gritasse “presente!”.
− Os presentes podem transformar-se nessa manipulação mas não é sempre assim. Dar um presente a alguém poderá significar que o carregas todos os dias no coração, servindo como uma espécie de transmissão da memória. É uma demonstração material do teu afecto. Um verdadeiro presente é como uma fotografia da espiritualidade que une duas pessoas, de modo a que, quem o recebe, possa recordar o outro sempre que vê, ouve ou toca esse presente. E assim, é o afecto que grita “presente!”.
− Seria bom que fôssemos só energia. Sem corpo, sem rosto, sem cor. Apenas uma luz brilhante que não se alimentasse de carne, nem de vegetais, nem sequer de água. Oxalá que à vida se siga um espaço celestial onde cada um de nós é uma luz reluzente, tão indispensável como todas as outras, formando a mais bela das complementaridades. Por aqui, apenas nos resta suportar a competitividade carnal.
− Então, desfrutemos do Natal, pois ele permite que essa luz altruísta despolete da carne, aliviando a dor e sarando muitas das feridas que acumulámos durante o ano.

Numa conversa, que se repete por séculos e, quem sabe, por milénios, duas pessoas, bem sentadas e aquecidas pelo lume de uma grande lareira, experimentam a eternidade. Assim é a luz – eterna!


Publicado no jornal online ptjornal, em 23/12/2012

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