sábado, 2 de fevereiro de 2013

Cinema: um antídoto

Apesar de o aumento do IVA ter tornado uma ida ao cinema num programa caro, como acontece com muitas outras coisas, ainda sou daqueles que o pode fazer. Sou um leigo no que respeita à sétima arte, no entanto, quando vejo um bom filme, sinto que tirei um enorme proveito do tempo despendido em frente ao ecrã.

Das três últimas vezes que saí do cinema, saí completamente absorvido.
No primeiro destes três filmes, saí absorvido pelo poder avassalador das paixões e das desilusões amorosas, capazes de levar a natureza humana à sua própria extremidade e, por vezes, ultrapassá-la, fazendo com que os seus equilíbrios se desmoronem sobre o abismo da insanidade. Anna Karenina, realizado por Joe Wright e baseado na obra de Leo Tolstoy, é uma viagem ao íntimo de uma mulher que terá que escolher entre continuar uma vida monótona e, até, entediante, ou aventurar-se numa sociedade conservadora que não tolera qualquer desvio do status quo.

No segundo filme, saí absorvido pela brutalidade e pela magnanimidade que caracterizam o ser humano. Ao mesmo tempo que é capaz de actuar impiedosamente na prossecução dos seus objectivos e ser indiferente ao sofrimento alheio, é também capaz de mostrar todo o seu esplendor quando o amor o põe à prova ou quando se entrega de corpo inteiro aos valores em que acredita. Neste segundo ponto, os espectadores têm uma boa demonstração do particular altruísmo que caracteriza um revolucionário. Os Miseráveis, a obra-prima de Victor Hugo e agora transposto para cinema por Tom Hooper, é o musical que mais gostei de ver até hoje, apesar da arriscada decisão de pôr o Russell Crowe a cantar – porém, quando se é um dos melhores actores da actualidade, muito dificilmente se faz má figura, seja em que papel for.

Na terceira ida ao cinema, que foi no passado Sábado, saí absorvido pelo casamento entre a fantasia e o fascinante instinto de sobrevivência que partilhamos com todos os outros animais, como nos é demonstrado por um jovem rapaz indiano e por um tigre de bengala adulto. Uma verdadeira odisseia onde Pi – assim se chama o rapaz – enfrenta o desafio hercúleo de sobreviver no meio de um deserto de água salgada, tal como, outrora, havia acontecido com Ulisses. Através deste magnífico filme realizado por Ang Lee, baseado num livro de Yann Martel, compreendemos que a fantasia é um dos melhores antídotos contra as amarguras da vida.

Enfim, perante o relatório do FMI encomendado para Portugal, que, face à austeridade brutal que preconiza, representa uma enorme contradição com o que o próprio FMI disse há pouco tempo atrás, quando admitiu que os seus modelos (pró-austeridade) estavam errados, o melhor que há a fazer para manter o ânimo é consumir cultura, seja qual for a sua forma de expressão.

Publicado no ptjornal, em 13/01/2013

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