terça-feira, 27 de março de 2012

O respeito pela palavra


Observar a agressão sofrida pelas palavras é angustiante. Perceber que o sentido que damos às palavras é manipulado pela retórica de uns poucos ou de uns tantos, fere a nossa confiança nas palavras. Sócrates bem se lamentava das consequências nefastas da acção dos sofistas, contudo imprimiu indignação a essa lamentação e dessa indignação resultou um combate firme que empreendeu durante toda a sua vida.
A palavra democracia, por exemplo, é vilipendiada todos os dias, em todo o lado. Basta um país ter eleições, nalguns simulando-as, para os respectivos líderes se armarem de legitimidade para executarem determinadas políticas internas e externas, defendendo-se a todo o instante com o escudo da legitimidade democrática. Obviamente, atribuo toda a importância ao sufrágio universal, indispensável à prossecução do primado da maioria sobre a minoria. Mas isso não significa que os consensos necessários ao bom funcionamento de uma sociedade se pautem apenas pela consecução da vontade da maioria. Esta deve procurar interiorizar uma lógia que reforce a sua condição e, consequentemente, deve interiorizar princípios de tolerância para com as minorias e repugnar a condenação da diferença. Deste modo, se as manifestações das identidades não invadirem a liberdade umas das outras, se o que as une for o respeito, a maioria sairá reforçada e espelhará maior diversidade.
Uma sociedade que se traduza numa diversidade ordenada, ordenada no sentido da responsabilidade que a liberdade acata e, por sua vez, responsabilidade no sentido do respeito pela liberdade de outrem, é uma sociedade mais rica e estimulante. Defendo a defesa da expressão de diferentes culturas com o mesmo entusiasmo que defendo uma sociedade que represente a comunhão de diferentes expressões.
Através deste breve raciocínio, concluo que a democracia em que vivemos está refém de uma tendência de isolamento das maiorias. Os seus representantes, por detrás do escudo da legitimidade democrática, tomam medidas que desprezam os juízos de valor das minorias. Mas o mais grave não chega a ser isto. O mais grave é o modo como as maiorias se formam. Existem vários instrumentos ao dispor dos políticos para alcançarem a maioria nas eleições. Um dos principais instrumentos é a televisão, cujo acesso está dependente do poder económico e mediático que cada campanha comporta.  Assim, a televisão, sem descurar dos outros suportes comunicacionais, como a rádio ou os jornais, assume um papel de destaque para a formação da opinião pública e, por isso, para o resultado das eleições.
É através destes suportes comunicacionais que a retórica se torna num teatro a todo o momento. É através destes suportes comunicacionais que as palavras são esvaziadas de sentido e que os debates políticos bóiam sobre um imenso mar de subjectividade. Se as palavras tivessem poder reactivo e agressivo perante quem as manipula e delas abusa, o desconforto físico substituiria a sobranceria dos que vêem na eloquência uma forma de enganar multidões.
A pior consequência do desgaste da palavra "democracia" é a mentalização por parte da maioria de que a democracia não lhe serve. E, como sabemos, o que não falta são candidatos a um poder vitalício.     

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