segunda-feira, 29 de outubro de 2012

O feitiço do inevitável


Disseram-nos que era inevitável. Disseram-nos que, se não o fizéssemos, a sociedade iria ruir. Disseram-nos que era a única forma de impedir a tragédia. Ou apertávamos o cinto ou, por e simplesmente, desfalecíamos. 
Agora aqui estamos, de ossos esmigalhados por uma fivela que encontra sempre mais buracos para nos fazer encolher, até, talvez, nos fazer desaparecer de vez. Agora, ao espreitar pela janela, ao olhar para cada rosto cabisbaixo, ao sentir a pobreza passear-se de forma triunfante pelas ruas, percebo que já estou perante uma tragédia. Afinal, a inevitabilidade revelou-se o argumento do tirano. E não foi sempre assim?
Este é um país onde aqueles que lhe podem dar futuro estão, na sua maioria, no desemprego, às portas da emigração ou para além delas, ou num qualquer trabalho remunerado à chinesa. Este é um país onde aqueles que o endividaram, corromperam e violaram, estão, na sua posse senhorial, a exigir que apertemos ainda mais o cinto – talvez por acharem que somos seres invertebrados –, ou com belos empregos no estrangeiro, em instituições responsáveis pela crise global, ou, ainda, a estudar em Paris.
A hipocrisia é tanta, a falta de pudor tão aguda, que se torna difícil discernir o que está certo do que está errado. A poeira que nos atiram diariamente para os olhos, nomeadamente através dos média, faz-nos ficar confusos e atordoados – vivemos num autêntico caos!
Enquanto massa humana amorfa, teremos, necessariamente, que fazer alguma coisa. Viver sentado é muito mais doloroso que morrer de pé. A História é a melhor candeia para nos guiar nestes tempos obscuros, porque nos ensina o que os nossos antepassados fizeram em momentos semelhantes. Através dela sabemos que, se nos subordinarmos, viveremos até ao último dos nossos dias com uma coleira à volta do pescoço. Mas também sabemos que, se nos erguermos, somos demasiados para que nos possam impedir de viver com justiça.
E há mais uma coisa que a História nos conta: o renascimento surgiu das trevas.   

Publicado no jornal online "ptjornal", em 21/10/2012

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Há vida para além do velho continente

Portugal, como outros países da Zona Euro, vive um interregno doloroso. O seu destino poderá assumir uma de duas formas: ou acabará por sair da Zona Euro − posição sempre defendida por algumas personalidades, designadamente o economista João Ferreira do Amaral −, o que nos permitiria readquirir o controlo sobre a nossa moeda; ou beneficiará de uma mudança de postura da Alemanha, o elo mais forte da zona euro, traduzida num reforço da integração económica europeia e na consequente introdução de uma política de transferências monetárias dos países excedentários para os países deficitários.

Não deixa de ser curioso notar que estas duas soluções correspondam a duas situações antagónicas. Isto é, ou passamos a viver numa Zona Euro mais integrada ou, por e simplesmente, abandonamo-la.

Não obstante, tão ou mais importante que esta questão é a construção de uma estratégia económica adequada para Portugal, garantindo-lhe uma travessia bem-sucedida pelo século XXI. Para isso, teremos que identificar os sectores nos quais Portugal possua vantagens competitivas.

Apesar de ser um leigo na matéria relativa aos recursos do mar, estou convencido que poderíamos aproveitar muito mais o facto de possuirmos um enorme território marítimo. Contudo, é certamente muito difícil para um povo descapitalizado como o nosso realizar investimentos no mar, uma vez que estes investimentos requerem quantias muito consideráveis. Sendo assim, seria indispensável que o poder político criasse mecanismos de financiamento aos projectos mais prometedores relacionados com o mar.

O reforço dos melhores portos portugueses é também uma questão central, já que desfrutamos de uma posição geográfica estratégica, permitindo-nos almejar alcançar uma posição de grande referência nas rotas comerciais marítimas e, por consequência, no abastecimento de bens à Europa.

Uma coisa é certa: Portugal não está condenado a ser a ponta de Europa, uma vez que há vida para além do velho continente, como percebeu o infante D. Henrique.


Publicado no jornal online "ptjornal", em 14/10/2012

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Tout va très bien, Madame la Marquise

Se me pedissem para fazer a banda sonora de um filme sobre o actual Governo português, a música principal seria “Tout va très bien, Madame la Marquise”, uma velha música francesa recheada de humor. A letra desta música assenta num conjunto de conversas entre uma senhora nobre francesa, a Madame la Marquise, e os seus empregados que, perante a sua ausência, transmitem-lhe as novidades relativas ao seu “condado”. Ora, à medida que cada empregado vai contando uma desgraça, cada uma pior que a anterior, e a Madame la Marquise ficando cada vez mais espavorida, os empregados, após o anúncio de cada desgraça, clamam “… mas quanto ao resto, tudo vai muito bem Madame la Marquise.


O que este Governo faz é muito semelhante. Face às evidências de um país que a cada dia que passa se apresenta mais degradado, os nossos governantes mantêm um discurso completamente desfasado da realidade, insistindo em políticas que aceleram a degradação de Portugal. Tão inconscientes são os empregados da Madame la Marquise, como o Governo que nos desgoverna.


Contudo, felizmente, como escreveu o poeta Manuel Alegre, “mesmo na noite mais triste, em tempo de servidão, há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não”. Constatámos precisamente isso no dia 15 de Setembro de uma forma histórica, num dia em que, como cantou Zeca Afonso, o povo saiu à rua.


Constatámos isso também no dia 5 de Outubro, o dia da nossa República, através da organização do Congresso das Alternativas na Universidade Clássica de Lisboa, reunindo um conjunto significativo de personalidades de todo o país. Ali foram discutidos, ao longo de um dia inteiro, diversos temas relacionados com as nossas vidas, onde a palavra foi entregue a quem quisesse acrescentar algo aos debates.


Na emblemática Aula Magna da Clássica, lotada de cidadãos activos e preocupados com o estado do país, levantaram-se diversas vozes, conhecidas e anónimas, em nome de um Portugal melhor, ou seja, em nome de uma vida melhor para os portugueses. Lá estavam homens e mulheres partidários e apartidários, integrados em movimentos sociais ou não, estudantes e reformados, trabalhadores e desempregados, todos em nome de uma única coisa – Dignidade!


Publicado no jornal online "ptjornal", em 07/10/2012