No contexto da Semana Verde Internacional, dezenas de milhares de pessoas mostraram a sua indignação com a política agrícola europeia, responsável, entre outras questões, pelo atraso do desenvolvimento dos países mais pobres. Como alternativa à agro-industrialização, os manifestantes propõem reformas que promovam as pequenas explorações agrícolas, privilegiando a qualidade dos alimentos e o respeito pelo meio-ambiente e pela biodiversidade.
Pelo terceiro ano consecutivo, dezenas de milhares de pessoas saíram à rua em Berlim, no passado dia 19 de Janeiro, para celebrar o início da Semana Verde Internacional − um evento durante o qual se realiza a maior feira agrícola do mundo.
Assim, sob o lema «Já temos o suficiente! Boa comida. Boa agricultura. Agora!», cerca de 25 mil manifestantes marcharam, num movimento colorido e heterogéneo, rumo ao Gabinete da Chancelaria federal, onde se encontravam, numa conferência dedicada à Semana Verde, os Ministros da Agricultura de mais de oitenta países para discutir estratégias de segurança alimentar.
Setenta tractores agrícolas e veículos destinados à apicultura acompanharam esta manifestação, demonstrando que muitos agricultores, apicultores, entre outros trabalhadores rurais, partilham as preocupações relativas às consequências nefastas do agro-negócio. Para estas pessoas, deve-se dar total primazia aos interesses dos consumidores e dos agricultores, que se reflectem na conservação da natureza e na protecção ambiental.
Foram entoados cânticos durante o percurso desta manifestação, de entre os quais se destacava «se vocês perseguirem os agricultores, os animais e as abelhas, não se tornarão deputados», ao mesmo tempo que eram agitadas bandeiras e cartazes que expressavam o repúdio pela criação industrial, pelo uso de pesticidas, pela pressão crescente dos preços praticados pelos produtores industriais e pelo impacto negativo da industrialização nas pequenas explorações agrícolas nos países do sul da Europa.
O mau trato dos animais, como acontece nos aviários e nas produções de suínos, e a produção de milho industrial pelas grandes corporações para produzir biocombustível constituem umas das principais críticas à agro-industrialização. Para a substituir, uma ampla aliança formada por 35 organizações e associações, maioritariamente ligadas à assistência social, ambiental, animal e agrícola, de entre as quais se incluem a Bund, a ATTAC, a Nabu, a Oxfam e a Albert Schweitzer Foundation, das quais fazem parte muitos agricultores, propõe uma série de reformas governamentais de carácter ecológico.
As perspectivas de associações e organizações ambientais e agrícolas
«Nós já temos agro-indústrias suficientes!», disse o presidente da Associação de Produtores, Processadores e Comerciantes de Comida Orgânica (Bund Ökologische Lebensmittelwirtschaft), Felix Prinz zu Löwenstein, acrescentando que terão de se «juntar para exigir uma mudança de política relativamente à alimentação, renunciando à pecuária industrial que trata os animais como se fossem objectos». Felix Löwenstein não fica por aqui, afirmando que dever-se-á «renunciar à industrialização da agricultura que consome excessivamente os recursos disponíveis e prejudica o ambiente». Adverte, também, que «os alimentos industrializados, apesar de parecerem baratos, são, na verdade, muito caros, porque destroem o ambiente, a biodiversidade e o clima», defendendo, assim, «uma utilização sustentável dos recursos como a terra, a água e a biodiversidade, que constituem a base da oferta de alimentação», e exigindo «comida que mereça ser chamada de comida e cujo preço reflicta a verdade ecológica».
Felix Löwenstein referiu, ainda, o que para todos aqueles manifestantes deve ser o futuro da agricultura: «um sistema de agricultura baseado na ecologia e nos agricultores, e não na agro-indústria que opera segundo os interesses do mercado de exportações». Para si, a UE não deve distribuir fundos agrícolas indiscriminadamente mas antes direccionar o dinheiro dos contribuintes para beneficiar a agricultura que respeita a ecologia e o meio ambiente. Neste sentido, afirma que «a nossa ministra da agricultura [alemã], IIse Aigner, deve fazer o máximo em Bruxelas para alterar radicalmente a política de alimentação e assegurar que a reforma da política agrícola incorpora a estratégia verde defendida pelo comissário Ciolos» − ex-ministro da agricultura romeno e actual comissário europeu da agricultura, conhecido por ser um defensor da segurança alimentar e da preservação ambiental. Na verdade, Felix Löwenstein teme que as propostas de Ciolos percam importância e saiam da agenda europeia.
Interessa também atentar às declarações do presidente da Federação do Meio Ambiente e da Conservação da Natureza (BUND), Hubert Weiger, que, diante da chancelaria, referiu que «por trás da bela aparência das montras de carne, esconde-se o sofrimento dos animais que vivem num regime de constante engorda, prejudicando também o meio ambiente». Hubert Weigar conclui o seu discurso apelando ao governo federal para «garantir que as pequenas explorações agrícolas sejam encorajadas em detrimento das “fábricas de animais”».
Os produtores de leite, que participaram empenhadamente nesta manifestação, têm visto a sua situação agravar-se, apesar das greves e das várias demonstrações de descontentamento em Bruxelas. Segundo Johanna Böse-Hartje, que integra a Associação de Produtores de Leite Alemães (Bundesverband der Deutschen Milchviehhalter), «os políticos estão a adoptar medidas de liberalização, caminhando para a destruição de culturas agrícolas em todo o mundo». Para si, a aliança alcançada no dia 19 de Janeiro, demonstra que as suas exigências para um mercado regulado e para a revisão da política agrícola «têm tido um impacto positivo na sociedade». Acrescenta, ainda, que, «se os agricultores e os cidadãos lutarem pela reforma na política agrícola, poderemos manter as nossas explorações agrícolas e assegurar a produção de comida saudável».
O impacto da política agrícola europeia nos países mais pobres
As organizações da igreja Pão para o Mundo (Brot für die Welt) – uma voz colectiva cristã de mudança e desenvolvimento − têm chamado a atenção para as repercussões da política agrícola europeia no desenvolvimento das economias emergentes. Klaus Seitz, o líder político desta voz colectiva, afirmou que «as actuais políticas agrícolas europeias ameaçam os meios de subsistência de muitas famílias rurais em países pobre». Para si, «aumentar a produção agrícola e o volume de exportações não atenua a fome que existe». Na verdade, acrescenta, tem o efeito contrário, queixando-se que já existem «situações suficientes de pessoas a passar fome» e que «os frutos do trabalho agrícola não beneficiam toda a humanidade». Klaus Seitz, referindo o lado negativo das exportações alemãs, afirmou também que «mais de dezassete milhões de hectares estão a ser usados para responder à procura de soja, a qual é necessária para a produção de leite e de carne, em detrimento da produção local de alimentação e da preservação da natureza».
Não assumindo qualquer responsabilidade pelo impacto negativo das políticas agrícolas europeias nos países mais pobres, Ilse Aigner, ministra da agricultura da Alemanha, e Silva Gaziano, Director Geral do Programa Mundial de Alimentação (programa da FAO), declararam a sua intenção de começar a investir mais na agricultura dos países em desenvolvimento, explorando o seu potencial agrícola em consonância com a protecção ambiental e climática. Justificaram esta declaração de vontade com a necessidade de combater a fome e a pobreza no mundo, apoiando os pequenos agricultores.
Ilse Aigner, questionada sobre as críticas de que tem sido alvo, disse que «qualquer pessoa que pede uma nova política agrícola tem que olhar para o que a Alemanha já fez», acrescentando que a Alemanha está na «“ecologização” da agricultura mais longe do que a maioria dos países da Europa».
A actuação da banca e a fome
Por fim, falta referir uma das principais reivindicações da manifestação do passado dia 19 de Janeiro: pôr cobro à especulação financeira com as commodities agrícolas, para a qual muito contribuem alguns bancos alemães. Esta especulação é responsável pela intensa flutuação dos preços dos alimentos, que provoca a fome em muitos países subdesenvolvidos. A este respeito, o presidente da Acção Agrária Alemã (Deutsche Welthungerhilfe), Bärbel Dieckmann, afirmou que a «especulação contribui claramente para a volatilidade dos preços, aumentando as situações de fome, especialmente nos momentos críticos». Partilhando as mesmas preocupações, Thilo Bode, o chefe de uma organização de consumidores chamada Foodwatch, acusou alguns bancos de serem «cúmplices da fome em países subdesenvolvidos».
O
Deutsche Bank, pela voz do Co-CEO Juergen Fitschen, contrariou todas estas acusações, argumentando que os estudos que mandou realizar não apresentaram provas convincentes de um relacionamento entre os investimentos nas commodities agrícolas e a fome no mundo. Juergen Fitschen diz ainda que os derivados agro-pecuários desempenham um papel importante no comércio global, o que justifica que o
Deutsche Bank continue a oferecer instrumentos financeiros relacionados com os produtos agrícolas.
Ainda assim, a indignação entre a opinião pública começa a dar alguns resultados, como se pode observar pelo anúncio de algumas instituições financeiras, como o Commerzbank, de retirada de investimentos relacionados com produtos alimentares. Será este o princípio do fim das práticas especulativas com os produtos agrícolas? Grande parte da resposta residirá, certamente, na capacidade de mobilização e na persistência dos que se opõem a estas práticas.
Publicado no jornal afolha, em 10/02/2013