quinta-feira, 31 de maio de 2012

Verbum Die (XV)

Trova do Vento que Passa

Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.

Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas.

Levam sonhos deixam mágoas
ai rios do meu país
minha pátria à flor das águas
para onde vais? Ninguém diz.

Se o verde trevo desfolhas
pede notícias e diz
ao trevo de quatro folhas
que morro por meu país.

Pergunto à gente que passa
por que vai de olhos no chão.
Silêncio -- é tudo o que tem
quem vive na servidão.

Vi florir os verdes ramos
direitos e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados.

E o vento não me diz nada
ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
nos braços em cruz do povo.

Vi minha pátria na margem
dos rios que vão pró mar
como quem ama a viagem
mas tem sempre de ficar.

Vi navios a partir
(minha pátria à flor das águas)
vi minha pátria florir
(verdes folhas verdes mágoas).

Há quem te queira ignorada
e fale pátria em teu nome.
Eu vi-te crucificada
nos braços negros da fome.

E o vento não me diz nada
só o silêncio persiste.
Vi minha pátria parada
à beira de um rio triste.

Ninguém diz nada de novo
se notícias vou pedindo
nas mãos vazias do povo
vi minha pátria florindo.

E a noite cresce por dentro
dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
e o vento nada me diz.

Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.

Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.

Manuel Alegre

terça-feira, 29 de maio de 2012

Quem são os verdadeiros piratas?

Clique neste link e em pouco mais de vinte minutos perceberá, de forma esclarecedora, o que se passa nos mares da Somália:

¡Piratas! - 13 Translation(s) | dotSUB

sábado, 26 de maio de 2012

As eleições presenciais sérvias ditam uma mudança de poder


Depois de duas derrotas eleitorais perante o liberal Boris Tadic, em 2004 e 2008, Tomislav Nikolic conseguiu vencer à terceira tentativa, colocando os nacionalistas à frente do destino dos sérvios.

            Boris Tadic, o presidente cessante, reconheceu a vitória do seu adversário após tomar conhecimento dos surpreendentes resultados da segunda volta das eleições presidenciais - "Felicito-o pela vitória, foi merecida e justa, e desejo-lhe sorte", afirmou, num gesto que pode ajudar a aprofundar a democracia Sérvia. Tadic foi dos principais impulsionadores da adesão da Sérvia à União Europeia (UE), embora este processo ainda tenha um longo caminho a percorrer, cujo principal obstáculo se centra na complexa questão do Kosovo.
            Por sua vez, o novo presidente tem tido uma posição pouco esclarecedora em relação à UE. Antigo apoiante do ex-ditador Slobodan Milosevic, Nikolic contestou durante vários anos a aproximação da Sérvia à UE. Porém, recentemente, mudou de opinião e tornou-se num europeísta. Esta mudança de opinião ficou algo descredibilizada perante a aliança que Nikolic forjou com um partido claramente antieuropeísta, embora tenha afirmado diversas vezes que o rumo que a Sérvia tem tomado no sentido de se aproximar da UE não será alterado.
            Depois de uma primeira volta onde o novo presidente sérvio acusou o partido de Boris Tadic de fraude eleitoral, sem que os observadores eleitorais tenham notado qualquer indício nesse sentido, a segunda volta, marcada por uma forte abstenção, mostrou que os receios de Nikolic não tinham razão de ser.
            Começa, assim, uma nova fase para a Sérvia. “A Sérvia tem que desenvolver a sua economia, sair da pobreza e lutar contra a corrupção”, afirmou Nikolic em jeito de mote para o seu mandato. O presidente cessante, mostrou-se crente na perspectiva que a Sérvia não voltará aos anos noventa e continuará a encetar uma estratégia de aproximação à UE, factor considerado indispensável para vencer uma crise que está a aprofundar-se naquele país, marcado por um desemprego que se situa perto dos 24 % e por um salário médio que ronda os 350 euros. Note-se que, desde o início da crise global, o dinar Sérvio teve uma depreciação avaliada em 30% e a dívida um aumento de 16%. São números que representam bem o enorme desafio que a Sérvia tem pela frente. 

Publicado no jornal online "Letra1", em 25/05/2012

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Verbum Die (XIV)

O Homem não é Sempre Igual

Um dos preconceitos mais conhecidos e mais espalhados consiste em crer que cada homem possui como sua propriedade certas qualidades definidas, que há homens bons ou maus, inteligentes ou estúpidos, enérgicos ou apáticos, e assim por diante. Os homens não são feitos assim. Podemos dizer que determinado homem se mostra mais frequentemente bom do que mau, mais frequentemente inteligente do que estúpido, mais frequentemente enérgico do que apático, ou inversamente; mas seria falso afirmar de um homem que é bom ou inteligente, e de outro que é mau ou estúpido. No entanto, é assim que os julgamos. Pois isso é falso. Os homens parecem-se com os rios: todos são feitos dos mesmos elementos, mas ora são estreitos, ora rápidos, ora largos, ora plácidos, claros ou frios, turvos ou tépidos.

Leon Tolstoi, in "Ressurreição"

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Grécia – Do passado corrompido, ao futuro incerto

      Com o intuito de entrar na moeda única, os governantes gregos contaram com a preciosa ajuda da Goldman Sachs para disfarçar as contas públicas, recorrendo à engenharia financeira, nomeadamente através do investimento em produtos tóxicos, os quais viriam a estar no cerne da origem da crise financeira de 2008. Passados quatro anos, o berço da democracia e de muitas crenças e culturas, vive num contexto de catástrofe face ao descrédito a que os partidos do arco governativo estão sujeitos. Os governos do Pasok e da Nova Democracia desenvolveram um clientelismo endémico, com contornos mais graves dos que caracterizam o arco governativo português, atingindo níveis de corrupção extremos.
      A resposta do povo grego perante a constatação da “podridão” que envolvia aqueles que os governaram desde a queda do regime dos coronéis, em 1974, deu-se, essencialmente, a dois níveis: o primeiro caracteriza-se pela sucessão de assembleias populares de democracia directa, por formas organizadas de desobediência civil, por experiências de autogestão, entre outras acções colectivas; o segundo por uma mudança radical do sentido de voto. Nas últimas eleições, o Syriza, uma coligação que reúne um conjunto de partidos de esquerda radical, obteve um resultado extraordinário, chegando a ser o segundo partido mais votado, atrás da Nova Democracia e à frente do Pasok. Por outro lado, a Aurora Dourada, partido que se autoproclama neonazi, também obteve um resultado que não era expectável, embora as últimas sondagens apontem para uma diminuição dos seus eleitores. Apesar do que separa o Syriza da Aurora Dourada ser um oceano, e do facto de aqueles que os metem no mesmo saco revelarem uma profunda ignorância ou, simplesmente, um profundo facciosismo, não se pode descurar a notória ascensão de partidos que outrora não teriam qualquer hipótese de disputar o poder.
      No próximo mês de Junho haverá novas eleições na Grécia, para as quais a coligação do Syriza poderá tornar-se a força mais votada. Alexis Tsipras, cabeça de lista desta coligação, é um político jovem, conhecido pela sua inteligência e pragmatismo. Caso venha a constituir governo, possivelmente um governo de salvação nacional, Alexis Tsipras terá um desafio monumental pela frente. Este desafio pode ser dividido em três partes essenciais: a primeira será auditar a dívida grega, um processo que exige grande rigor e isenção; a segunda será renegociá-la, algo que já tem vindo a ser feito mas que precisa de uma abordagem mais realista para que seja um processo controlado e acordado pelas partes interessadas; e a terceira será a substituição do memorando da Troika, uma vez que está mais do que visto que este falhou redondamente o alcance dos seus objectivos.

Publicado no jornal online "Letra1", em 20/05/2012

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Verbum Die (XIII)

A Verdadeira Generosidade

    Observo em nós apenas uma única coisa que nos pode dar justa razão para nos estimarmos, a saber: o uso do nosso livre-arbítrio e o domínio que temos sobre as nossas vontades. Pois as acções que dependem desse livre-arbítrio são as únicas pelas quais podemos com razão ser louvados ou censurados, e ele torna-nos de alguma forma semelhante a Deus ao fazer-nos senhores de nós mesmos, desde que por cobardia não percamos os direitos que nos dá.
    Assim, creio que a verdadeira generosidade, que faz um homem estimar-se a si mesmo no mais alto grau em que pode legitimamente estimar-se, consiste somente, por uma parte, em que ele sabe que não há algo que realmente lhe pertença a não ser essa livre disposição das suas vontades, nem por que ele deva ser louvado ou censurado a não ser porque faz bom ou mau uso dela; e, por outra parte, em que ele sente em si mesmo uma firme e constante resolução de fazer bom uso dela, isto é, de nunca deixar de ter vontade para empreender e executar todas as coisas que julgar serem as melhores. Isso é seguir perfeitamente a virtude.

Nota: O latim generosus designa o homem ou animal que é de boa raça. Portanto, «generoso» é antes de tudo aquele que é de raça nobre e, no sentido figurado ou moral, aquele que demonstra grandeza de alma.

René Descartes, in 'As Paixões da Alma

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Do pingo amargo à ressurreição


Amontoam-se as formigas esfomeadas,
salvo as bem-afortunadas,
sobre pedaços fragmentados em pacotes dourados,
aliviando as necessidades sob contornos antiquados.

Mas, como o antiquado não significa que esteja ultrapassado,
a história repete-se porque ignoram o passado,
nasce mais uma ofensiva que as formigas terão que superar,
chegam novamente os tempos em que é preciso militar.  

Por enquanto, as formigas atropelam-se e regem-se pelo umbigo,
a rainha  enrosca-se contra a cabeceira livre de perigo
e o dia de uns é o oposto do dia dos restantes que é um castigo.

Por enquanto, basta à rainha lançar pedaços fragmentados em pacotes dourados,
para manter as formigas no redopio dos imediatos não pensados,
com os corpos curvados e na incerteza crucificados.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Eleições francesas - Um novo rumo para todos nós?


Conforme o expectável, François Hollande derrotou Nicolas Sarkozy, tendo tido, segundo se diz, a preciosa ajuda do anti-sarkozismo. De facto, as políticas plutocráticas anunciadas e praticadas por um indivíduo profundamente arrogante, geraram um sentimento de ódio e de raiva em muitos franceses, como se viu na forma como foram comemorados os resultados das eleições.
Ficaremos atentos à governação de Hollande, cujo sucesso da mesma para além de ser importante para os franceses e para os europeus, será fundamental para relançar ou afundar a credibilidade dos partidos socialistas europeus. Para já, teremos que nos contentar com o fim de Sarkozy à frente dos destinos de França, uma notícia positiva para todos os europeus, excepto para Angela Merkel e para os entusiastas da austeridade.
François Hollande comprometeu-se com muita coisa. Mas o principal compromisso que terá obrigatoriamente que cumprir será enfrentar a Chanceler alemã e acabar com a sua política europeia, responsável pelo  rumo dos acontecimentos de uma Europa  que está à mercê do advento de extremismos, como se constata através dos resultados alcançados por Marine Le Pen em França e pela Aurora Dourada na Grécia, um partido que se assume como fascista-nazi.
Assim, Hollande representa a esperança de um novo ciclo para a Europa. Oxalá tenha o carácter, a personalidade e a força interior para enfrentar e vencer os grandes desafios que tem pela frente.  

domingo, 6 de maio de 2012

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Verbum Die (XII)

O Tempo Vale Muito Mais do que o Dinheiro

Perder tempo não é como gastar dinheiro. Se o tempo fosse dinheiro, o dinheiro seria tempo.
Não é. O tempo vale muito mais do que o dinheiro. Quando morremos, acaba-se o tempo que tivemos. Quando morremos, o que mais subsiste e insiste é a quantidade de coisas que continuam a existir, apesar de nós. 
O nosso tempo de vida é a nossa única fortuna. Temos o tempo que temos. Depois de ter acabado o nosso tempo, não conseguimos comprar mais. Quando morreu o meu pai, foi-se com ele todo o tempo que ele tinha para passar connosco. As coisas dele ficaram para trás. Sobreviveram. Eram objectos. Alguns tinham valor por fazer lembrar o tempo que passaram com ele - a régua de arquitecto naval, os relógios - quando ele tinha tempo. 
As pessoas dizem «time is money» para apressar quem trabalha. A única maneira de comprar tempo é de precisar de menos dinheiro para viver, para poder passar menos tempo a ganhá-lo. E ficar com mais tempo para trabalhar no que dá mais gosto e para ter o luxo indispensável de poder perder tempo, a fazer ninharias e a ser-se indolente.
A ideologia dominante de aproveitar bem o tempo impede-nos de perder esses tempos. Quando penso no meu pai, todas as minhas saudades são de momentos que perdi com ele. Uma noite, numa cabana no Canadá, confessou-me que o único filme de que gostava era «Um Peixe Chamado Wanda«. Todos os outros eram uma perda de tempo. Perdemos a noite inteira a falarmos e a rirmo-nos disso. Ainda hoje tem graça.

Miguel Esteves Cardoso, in 'Jornal Público (26 Dez 2011)